sábado, 18 de junho de 2011

ALMAS DESTINADAS - Prólogo

ESPANHA, 1864
A minha irmã estava bastante nervosa. Eu tentava que os seus nervos não me perturbassem; para mim não havia motivos para agitação e ânsias. Era ela, Elena Isabel, que ía apresentar o seu companheiro à nossa família. Fez-me aperaltar para impressionar o pobre rapaz. Pobre rapaz por ter de levar com a minha gémea falsa que consegue sempre fazer uma tempestade num copo de água.
O seu cabelo negro e liso estava preso no cimo da cabeça com um perfeito entrelaçado de tranças. Ela era centímetros mais baixa do que eu, mas ficava elegantíssima ao trajar o seu vestido comprido com decote em V em tons de vinho.
Estávamos a descer as escadas da nossa mansão. Os nossos pais estavam muito bem arranjados à fina moda de um burguês bem sucedido no trabalho; aguardavam sentados na poltrona carmim.
Passados meros segundos, bateram à porta. A nossa empregada dirigiu-se rapidamente à porta, limpando as mãos às saias amarrotadas. Elena gritou-lhe para que não abrisse. Virou-se para mim e belicou as minhas bochechas para as tornar mais rosadas. Depois, deu volume aos meus caracóis caídos pelas costas, ajustou o meu espartilho verde alface.
Gabriela (a nossa empregada) abriu a porta da nossa mansão de férias.
O rapaz alto e entroncado subiu os dois degraus até à entrada da casa.
Distraí-me a olhar para o chão de madeira brilhante que sempre gostara.
- Francisco, esta é a minha irmã: Maria Isabel. – disse Elena ao aproximar-se de mim, pondo um braço à volta da minha cintura.
Foi nesse preciso momento que olhei para o rapaz mais bonito que vira em 19 anos de vida. Ele tinha a pele em tons morenos claros, os olhos eram uma mistura de chocolate e mel, o nariz completamente proporcional à cara afiada e o lábio superior desenhava a forma de um perfeito coração.
- Señora. – disse ele, curvando a cabeça em sinal de respeito. Agarrou delicadamente a minha mão direita e beijou os nós dos dedos. – Es un placer conocerte, Maria Isabel.
- Gracias. – disse eu ao sorrir-lhe.
- Hablas español. – afirmou.
- Poco, muy poco, pero me gusta.
- Puedo ayudarte.
- En serio? Hum, gracias entonces.
Ele acenou com a cabeça. De seguida, o meu pai convidou-o a sentar-se no sofá.
Abigaíl – a minha gatinha branca – veio da cozinha e cheirou os sapatos de Francisco. Este fez-lhe uma festinha. Peguei nela e fui sentar-me no meu cadeirão, onde recomecei a tricotar os meus bordados que iriam ser uma das prendas para a minha irmã, quando esta se casasse.
Os meus pais conversaram calmamente com Francisco, perguntando-lhe sobre os seus estudos, a sua família e os seus objectivos na vida. Passámos um bom serão, mas já se fazia tarde. Francisco despediu-se e foi-se embora.
(...)
- Gabriela? Está alguém à porta! GABRIELA? – gritava eu à empregada. As pancadinhas na porta já se faziam dores de cabeça, por isso desci as escadas a correr e dirigi-me à porta. Abri-a.
- Oh, Sr. Francisco. Como está?
- Muy bién y tú?
- Estou bem, muito obrigada. Então, o que faz por aqui? A Elena saiu às compras com a minha mãe e o meu pai está a trabalhar.
- Vine a hablar con usted.
- Comigo?
- Sí, le prometí que le diera lecciones en espanõl.
- Ah, prometeu...
- Yo siempre cumplo mis promesas.
- Ainda bem, Sr. Vejo que é um homem honrado. Fico bastante feliz pela minha irmã o ter encontrado.
- Yo también. – sorriu ao entrar.
(...)
O céu estava limpo e o dia abafado. Estava sentada na fresca relva do jardim das traseiras. Lia um dos meus livros preferidos de William Shakespeare, aproveitando o silêncio acolhedor. De repente, uma presença atrás de mim, sobressaltou-me.
- Buenas tardes, Maria Isabel.
Levei a mão ao peito.
- Oh, Sr. Francisco. Assustou-me.
- Pérdoname.
- Não se preocupe.
-Qué está leyendo.
- Um dos meus livros preferidos: António e Cleopatra.- Shakespeare es demasiado dramático.
- Mas também bastante romântico.
- Maria Isabel le gusta romances trágicos?
- Sim, Sr, gosto muito.
Francisco estava atrás de mim em pé, embora um pouco debruçado sobre mim.
- He venico aquí a dar algo.
- O quê?
- A él le gustaba usarlo.
Ao dizê-lo, ajoelhou-se atrás de mim, afastou o meu longo cabelo para trás e pôs-me algo no pescoço. Era um colar fino com um medalhão a pender.
Peguei no medalhão para ler o que nele estava cravado. De frente, tinha o meu nome e na parte detrás dizia: Con mucho amor.
Mal li a dedicatória, levantei-me bruscamente.
- Desculpe Sr., mas não o posso aceitar.
- Por qué no?
- Porque não posso! Não posso! – comecei a andar de um lado para o outro nervosa.
- Por favor, acepta. Es de mi difunta madre.
- A sua mãezinha chamavasse Maria Isabel?
- Sí, Senõra.
- E, porque razão está a dar-me o colar? Dê ao seu paizinho!
- Mi padre murió en el ejército. Compró el collar de mi madre antes de irse.
- Nesse caso, devia guardâ-lo com grande estima!
- Por favor, acepta. Me recuerdas a mi madre.
Olhei-o minuciosamente. O meu instinto dizia-me que não devia aceitar aquele colar com tanto amor e história. Aquele colar era pesado de memórias... memórias essas que não me pertenciam... mas como podia eu recusar aquela sumarenta ternura de pedido?!
- Acepta. Es divino en su cuello
Ruborizei. Passei suavemente as pontas dos dedos pelas letras do medalhão.
Apercebi-me que ele já tinha o meu calor corporal. E, imaginei-me, amanhã de manhã, a pulverizá-lo com o meu perfume de lavanda e rosas.
(...)
- Yó puedo.  Tú puedes. Él/Ella puede. – dizia eu o verbo “puder”. – Assim?
- Correctíssimo. Un pronunciado muy bueno.
- Obrigada, mas é apenas porque tenho um bom professor, Sr.
- me siento halagado... y triste.
- Porquê?
- Maria Isabel me llama “señor”. Llámame Francisco.
Fiquei um pouco sem saber o que dizer, mas depois:
- Como queira, Francisco.
Ele sorriu.
(...)
- Menina Maria Isabel? – chamou Gabriela, batendo à porta do meu quarto.
- Entra, Gabriela.
Ela entrou e encostou a porta.
- Quer ajuda? – perguntou ela ao ver que o meu espartilho ainda não estava apertado.
- Sim, por favor.
Gabriela começou a apertar-mo, fortemente. O processo era sempre doloroso.
- A Sra. Sua irmã já chegou.
- Ai, sim?
- Sim, acompanhada pelo Sr. Fernandéz.
A minha pulsação acelerou.
- Vieram fazer serão?
- Penso que sim, Menina. A Sra. Sua irmã está muito alegre hoje... diz ter uma óptima novidade.
- O que será...? – comentei para mim mesma.
Desci as escadas. Elena, Francisco e os meus pais já tomavam conhaque.
- Maria! – exclamou Elena, vindo ter comigo a correr. Abraçou-me. – Vem, vem. – convidando-me a sentar na poltrona. – Temos uma coisa para te contar. A mamã e o papá já sabem.
- Diz-me, Elena. – pedi-lhe, curiosa.
Ela virou-se para Francisco.
- Contas tu ou eu? Ah, ou os dois ao mesmo tempo?
Ele olhou para o chão, envergonhado. Dei uns goles no meu conhaque.
- Tú.
- Está bem, querido. – disse Elena. – Maria? Eu e o Francisco vamos ser pais. – esboçando um enorme sorriso. Pisquei os olhos.
- A sério?
- SIM!!!
- Vais ter um filho bastardo?!
Elena suspirou.
- Pois, bem sei, mas ninguém saberá. Vamo-nos casar daqui a um mês.
Paralisei. Senti os olhos de Francisco em mim.
- Desejo-vos as maiores felicidades do mundo. – sorri-lhes o melhor que pude.
Elena começou, pois, a tagarelar sobre o casamento, o bebé, a compra de uma casa... Senti-me completamente vazia, perdida e enjaulada. Tinha de sair dali.
- Está um dia tão bonito...peço desculpa, mas vou ausentar-me.
- Onde vais? – perguntou Elena.
- Vou passear a cavalo.
- Então, dá um beijinho à Condessa.
- Darei. – disse eu antes de me dirigir aos estábulos. Escovei e preparei a Condessa para o passeio. Pouco depois, cavalgava rumo à fresca brisa.
Entrei num bosque, bem perto da mansão. Deitei-me na verdura, fechei os olhos e escutei o coração do bosque.
- (...) él trájo una merienda...
Abri os olhos, repentinamente.
- Sr. Francisco, o que pensa que está aqui a fazer?!
- He venido a ti.
- Isso já entendi, Sr...
- Está triste.
- Eu? Triste? Nada disso. Estou apenas pensativa.
- Está triste.
- Ouça: O Sr. Francisco não me conhece nem tem o direito de fazer juízos de valor sobre mim!
- Lo siento, no fue mi intención ofenderle, pero veo que están molestos.
- Garanto-lhe que não.
- Ha sido así desde que sabía que su hermana está embarazada.
- Fui apenas apanhada de surpresa.
- Estaba pálida y avergonzada, y cuando le dijimos que nos íbamos casar...
- As maiores felicidades vos desejo.
- Alto! Esto no es verdad.
- Perdão?
- Sí. Esto no es verdad!
Olhei-o, boquiaberta.
- Retire o que disse.
- No.
- Imediatamente!
- NO! – ao exclamar, deitou-se em cima de mim. Debati-me contra ele, mas este agarrou nos meus pulsos, firmemente e com uma mão, prendeu-mos na relva junto à minha cabeça.
- Ves? Puedes sentirlo?
Estava prestes a negar, quando ele colocou a sua outra mão no meu seio palpitante.
- Sé que cómo te sientes, porque yo siento lo mismo. – aproximou-se ainda mais de mim. Quando vi que os seus lábios procuravam saborear os meus, afastei o meu rosto para o lado.
- Não posso. Não podemos...
- Te amo y tú también.
- Sim, mas o Sr está comprometido com a minha irmã. Não sou capaz de lhe fazer tal traição. Nem agora nem nunca, Sr. Francisco. Nunca!
- Te dije que no me llames señor!
Ía protestar, de imediato, mas a minha boca foi atacada por lábios perfeitos e sedentos de amor.
O beijo foi tão profundo e sentido que mal conseguia respirar. As minhas mãos rodearam-lhe o colarinho da camisa branca, puxando-o para mim.
Ele, emaranhava-me o cabelo, louco. As mãos dele apalparam os meus seios, percorreram a minha cintura e foram descendo, descendo.
Por entre as minhas saias, ele procurava a minha carne acalorada, após os seus toques. Francisco desapertou as calças e por fim, penetrou-me.
Fechei os olhos e não consegui parar de gemer com tamanho prazer.
Com grande dificuldade, fui-lhe desapertando o colete e a camisa, ficando assim em tronco nu. Arranhei-lhe as costas, o que fez com que ele acelerasse o ritmo e a força. As minhas mãos procuraram algo a que me pudesse agarrar – ainda arranquei relva. Mas isso não importava. Naquele momento nada importava.
Apenas eu e Francisco. E o nosso amor. E a luxúria que sentíamos e que estávamos a viver no momento. Por entre suspiros, gemidos e respirações dificultadas, dissemos palavras de amor um ao outro. Eu estava no limite da felicidade. (...) Sorrimos um para o outro. As estrelas já brilhavam no céu.
Francisco pegou-me ao colo e sentou-me nas costas da Condessa. Fiz-lhe festinhas no focinho, agarrei nas rédeas. Dei voltinhas, montada na minha égua preferida. Debrucei-me para o queixo esticado e beijei Francisco.
Cavalguei até casa.
(...)
É hoje. É hoje! É hoje o suposto casamento de Elena Gomez e Francisco Fernandéz. Ai! Eu não devia estar no bosque à espera dele para fugirmos juntos!
Ai, eu não devia!
De repente, Francisco chegou. Trajava uma capa com capuxo preto. Chegou-se a mim. Deu-me a mão. Ambos observámos a aurora e juntos cavalgámos para bem longe dali.

domingo, 5 de junho de 2011

Soulmates Never Die ~ 10º capítulo

Toquei novamente à campainha. Ouvi uns passinhos do lado de lá da porta.
- Prima! – exclamou Dalila bastante surpreendida.
- Olá! – exclamei alegremente.
- O que é que aconteceu à tua cara?
- Ah isso. Não interessa.
Entrei em casa.
- A tua mãe ainda não chegou do trabalho?
- Nops.
Fui para o seu quarto e saltei para cima da cama. Procurei o meu telemóvel e pûs a tocar “Life Is Real” de Ayo.
- Desculpa ter aparecido aqui sem avisar.
- Hum... deixa lá...
Sentei-me na cama. Olhei a minha prima, minuciosamente.
- Sentes-te bem, Dalila?
- Porque perguntas?
- Estás estranha!
- Eu? Estranha? Não. Nem pensar. Nada disso.
- Sim-sim. Pára de me atirar areia para os olhos.
De repente, ouvi o autoclismo.
- Disseste que a tua mãe não estava em casa.
- E não está.
- Então, quem é que...?
Um rapaz alto, magro, todo vestido de preto, com o cabelo liso e escuro comprido em forma de tigela, com olhos castanhos escuros e com um picering na sobrancelha fina esquerda, entra no quarto.
- Quem é esta? – pergunta com voz grossa. Levantei as sobrancelhas.
- Esta?! Puff, a sério...
- Pires, apresento-te a minha prima: Mariza.
- Pires? – e comecei a rir histericamente, devido ao contraste entre a aparência do rapaz e ao seu nome meio gay.
- Oh desculpa lá. Não sabia que eras a tão famosa prima da Dalila.
- Hum, aposto que não sabias, não.
Ele esticou-me a mão e eu apertei-a ainda desconfiada.
- Então quem é o Pires?
Dalila olhou para mim, confusa.
- O Pires é... o Pires.

- Não foi isso que perguntei. Refiro-me ao papel que ele desempenha... principalmente neste quarto...
- O que queres dizer com isso? Eu. Eu não... – dizia Dalila, atrapalhada.
- Hum-hum. Bem me parecia. É um prazer conhecer finalmente o namorado da minha prima.
Pires sorriu para mim. Depois notou algo e ficou sério.
- O que aconteceu à tua cara?
- Ah isto. Comprei um saco de box para descarregar a minha raiva, no final, fui eu que levei. – rindo-me das minhas pobres figuras.
- Não sabia que gostavas dessas práticas, prima.
Ficámos a olhar uma para a outra.
- Bom Pires, é melhor ires andando. A minha mãe deve estar quase a chegar.
Pires apertou-me a mão e deu um beijo na testa de Dalila.
Voltei a deixar-me cair as costas na cama e a seguir a letra da música que adorava.
- Mariza, precisamos de falar a sério: quem é que te fez isso?
- Não interessa. Nada disso interessa agora. O que importa é que ele me beijou! – exclamei, sorrindo estonteantemente.
- Não interessa? Já te viste ao espelho? Beijou-te? Quem é que te beijou?
- Espera! Quando uma pessoa beija outra... isso significa que gosta dela, certo? – duvidei.
- Presumo que sim.
- OMG! Ele gosta de mim! – rindo-me. Depois desci à terra, repentinamente. – Como é que ele pode gostar de mim?!
- Mariza, estás a enervar-me! Quem é que te beijou?
Suspirei, apaixonadamente.
- O Espanhol...
Dalila fez cara de confusa.
- Tu estás a referir-te ao javi?
Acenei com a cabeça.
- Referes-te ao Javi García?
- Sim.
- Mas... àquele Javi que joga no Benfica?
- Sim.
- Ao melhor médio-defensivo do Benfica?
- SIM, PORRA!
- Ah, esse Javi García.
- LOL. – disse eu ao revirar os olhos.
Passados uns meros segundos:
- Ele beijou-te?!
- SIM!
- OMG e como foi?
- Como foi o quê?
- O beijo, páh!
- Ah, não foi nada de especial. Só um pequeno encosto de pele. Nem sequer consegui corresponder ao beijo.
- “Só um pequeno encosto de pele”? E estás nesse estado de histeria?
- Não estou histérica. – disse amargamente.
- Estás sim!
- Não estou nada! Só estou plenamente feliz.
- Eu sabia que gostavas dele! Esses olhos têm um brilho diferente quando o ves e quando ouves o nome dele. Olhando para ti, até consigo ver se estás ou não a pensar nele.
- Credo! Vou-me pôr a pau contigo.
- AHAH! É verdade. – sorriu. – Ah, e ele gosta de ti, também. Portanto, tens de lhe dizer o que sentes.
- Talvez sim... talvez não. Eu acho que ele se arrependeu de me ter beijado.
- Isso foi por ter pensado que não querias que ele te beijasse.
- E porque razão pensaria assim?
- Porque não correspondeste!
- Pois... tens razão.
Passados uns minutos, a porta abriu-se. Dalila foi a correr para a porta e eu segui-a mais atrás.
- Mãe!
- Boa noite, filha.
- Mãe, hoje temos uma visita.
Saí detrás das costas de Dalila.
- Olá, tia Sara.
- Mariza! À quanto tempo... – e abraçámo-nos.
- É verdade.
Ela mirou-se minuciosamente.
- À medida que o tempo passa, estás mais e mais parecida com a tua mãe. – disse ela ao olhar para os meus olhos amêndoados verdinhos. Ela via os olhos da minha mãe. Via os olhos da sua falecida irmã.
- Obrigada. – sorri.
- Vá, venham ajudar-me com o jantar.
- Não podemos encomendar uma pizza? – inquiriu Dalila.
- Boa ideia. – disse a tia Sara.
- Vou telefonar, então.
Eu fiquei na cozinha a ajudar a tia a pôr a mesa.
- Como está a tia Madalena?
- Uma chata como sempre. É um inferno viver com eles.
- Se o teu pai deixasse, vinhas viver connosco.
- Já tenho 19 anos, o Tribunal já não manda em mim. Já não sou da responsabilidade dos meus tios, mas o meu pai faz questão de eu continuar a viver naquela casa. Quer dizer, a Juliet é que me obriga a ficar lá. Ela sabe perfeitamente o quanto eu gosto de viver lá. – afirmei sarcasticamente.
- Não vamos estragar o nosso jantar e a grande surpresa da tua visita a falarmos daquela cobra venenosa, pois não?
Sorri-lhe.
- Claro que não. Ela não merece isso.
Dalila voltou à cozinha.
- Já as encomendei.
(...)
- Hum-hum, que delicia. Adoro estas pizzas. Na Quinta da Piedade não temos pizzarias tão boas. – deliciava-me eu a atacar uma fatia de pizza Quatro Estações.
- É uma pena. Tens de vir cá mais vezes, então. – falou Dalila.
- Concordo! Somos sempre nós as duas sozinhas. Sempre a mesma coisa. Um tédio de vida. – declarou a tia Sara.
- Pois... – disse Dalila.
Suspirei. Quando a irmã da minha mãe/minha tia/mãe da Dalila engravidou, o seu companheiro deixou-a com a filha para criar e nunca mais se dignou a aparecer ou a telefonar para elas. A mãe da Dalila tem agora 38 anos, por isso e fazendo as contas, tinha 18 anos quando engravidou. Toda a família do meu pai – super conservadora – nunca encarou estes factos docemente. Portanto, com uma mãe ainda tão nova e com uma filha que se veste de preto da cabeça aos pés, com piercings e tatuagens marcadas na pele, a família do meu pai, principalmente a tia Madalena (irmã do meu pai) tentaram sempre de tudo para me afastar delas. Como é óbvio, isso nunca aconteceu.
A tia Sara era um pedacinho do meu passado. Era um pedacinho que eu queria lembrar e nunca esquecer.
Apesar de não ter os olhos verdes claros da minha mãe, a tia Sara tinha outros traços característicos da minha mãe, tais como os lábios carnudos e rosados, a pele pálida, o cabelo espesso e ondulado com alguns canudos.
Características essas que Dalila não tinha herdado da sua mãe, visto que a minha prima tinha o cabelo comprido, liso e castanho escuro e olhos quase pretos. Mas o mais importante, é que a tia Sara tinha o sorriso da minha mãe. Aquele sorriso que afastava qualquer pesadelo. Aquele sorriso que fazia brilhar qualquer estrela amuada no céu. Aquele sorriso que sempre troue alegria, esperança, felicidade e Paz ao meu coração.
Eram destes pormenores que eu não queria abdicar, jamais.
- Prometo que vos venho visitar mais vezes.
- É uma promessa Ventura? – inquiriu a tia Sara.
Ri-me: - É uma promessa Ventura!
- Então, não tenho de me preocupar se a vais ou não cumprir, pois sei que vais.
Sorri-lhe com ternura e ela também o fez... mas por pouco tempo.
Adoptou uma cara mesmo séria que quase parecia a minha mãe quando estava mesmo muito zangada.
- Agora, tens sérios esclarecimentos a dar-nos, Mariza Alexandra Ventura.
- WOW, que voz e cara sérias!
- Consigo fazer pior.
- É melhor não arriscar. – ri-me.
- Mariza?!
- Sim?
- Vais contar-nos quem é que te fez essas nódoas negras na cara ou é preciso mais cara séria? – perguntou ao fazer a cara séria.
- Ah e não nos digas que foi com um saco de boxe. Vais dizer-nosa verdade! – exclamou Dalila.
- Exacto! – concordou a tia Sara, depois apercebeu-se da tolice que a sua filha tinha dito. – Um saco de boxe?!
- Longa história, mãe. Zero de romance, pouco da fantasia e 100% de falsidade. Mesmo pouco interessante.
- Assim sendo, esta é a tua deixa para nos contares tudo.
Suspirei sem defesas.
(...)
- Eu... eu nem acredito nisto. – murmurou a tia Sara.
- Calma! Ainda estou chocada. Preciso de uns minutos para me recompôr. – afirmou Dalila. Cruzou os braços na mesa e deitou a cabeça neles, tapando a cara.
- Mas não houve aquele tipo de contactos, pois não? – quis saber a tia Sara.
- Não. Eu fugi do carro a tempo.
- Foste muito corajosa, querida. Mentiveste a cabeça fresca e agiste.
- Sim, mas não fui muito forte a seguir. Quando estava a atravessar a estrada, vi um carro a aproximar-se e perdi os sentidos.
- OMG! – exclamou Dalila ao levantar a cabeça violentamente.
- E o que aconteceu depois? – perguntou a tia Sara.
- Isso já não me lembro. Quando voltei a acordar já estava numa cama...
- COMO? – interrogou Dalila, escandalizada.
- ONDE? – interrogou a tia Sara, também ela escandalizada.
- Calma, deixem-me explicar tudo sem interrupções.
- Algo me diz que esta história está apenas a começar. – opinou Dalila.
- Ah, pois está. – declarei.
Após ver as caras de horror de ambas, reformulei a frase:
- Quer dizer, acabou o drama e a tragédia. Agora passamos à parte boa e bonita da história.
- Isso é... tranquilizador. – disse a minha prima.
- Dalila, desde quando é que acordar numa cara que não a tua, é tranquilizador? – interrogou a tia Sara a tremer um pouco.
- Mas de certeza que o dono da cama é muito, muito fixe.
- Hã?
- Não vês a cara dela, mãe?
Sorri timidamente à minha prima. De repente, Dalila abriu muito bem os olhos.
- Não...
- Não o quê, filha?
- Não...
Não o quê, Dalila? Ainda me dá uma coisa má no coração.
- Pois claro! De quem mais poderia ser o dono da cama?! – divagava ela.
- Dalila? – disse a sua mãe.
Finalmente, ela virou-se para a tia Sara.
- Queres saber quem era o dono da cama, mãe?
- Claro que quero, ora essa.
- Já venho. – disse Dalila ao sair da cozinha apressadamente.
Voltou num instante com o seu portátil. Pousou-o na mesa, escreveu algo com o teclado preto, olhou para mim com um ar satisfeit e por fim, virou o ecrã para nós.
- Ai, meu Deus! – assustou-se a tia Sara. – Mas que pedaço de homem! Quem é ele?
- É o dono da cama onde a Mariza acordou. É o seu novo amigo. É o rapaz que pôs o André Santos no Hospital. É o rapaz que salvou a Mariza. É o rapaz que é super querido para ela e que a beijou e ela feita parva-barra-otária-barra-xoné não correspondeu. É o rapaz que gosta da Mariza e que eu sei que ela também gosta!
- Não podias ser mais directa, não? – inquiri eu, irónica.
- Apenas digo factos verídicos.
- Oh, por amor de Deus. Porque é que estás aqui? Telefona-lhe e diz para se encontrarem e falarem melhor! – exclamou a tia Sara.
- Mãe, será que eu referi que ele é Espanhol? – perguntou Dalila, alçando as sobrancelhas.
- Tu não podes deixar escarpar esse homem! – exclamou a tia Sara uma vez mais.
- Mas... eu não tenho o Nº de telemóvel dele.
Dalila bufou. Sara bateu com a mão na testa.
As três, arrumámos a mesa e lavámos a loiça.
Dalila emprestou-me um pijama quentinho e eu vesti-o.
Quando ía pegar no telemóvel para ouvir umas músicas de Ayo, vibrou-me nas mãos. Era um alerta mensagem.
“ Hola. Tenso su número de teléfono. Mantenga este número, por qué es mío. A qué hora sales de la escuela manãna? Quieres visitar André? “
Sorri para o ecrã do telemóvel.
“ Olá. Saio às 13h15, mas almoço no refeitório, porquê? Acho uma óptima ideia =D “
 “ Si lo desea, puedo ir a recogerte hasta 14 horas para ir a visitar André.. “
 “ Aceito. Então, até manhã. “
“ Hasta manãna. Besos. J. “
Mordi o lábio, sorrindo.
- Quem era? – inquiriu Dalila, curiosa.
- Digamos que... tenho plano para amanhã.
- Ai sim?
- Sim, vamos ver o André.
- “Vamos”? Tu e mais quem?
- Oh, tu já sabes.
- Entendi.
Rimo-nos e dirigi-me à casa-de-banho. Quando iá acender a luz:
- Mariza, amanhã vou contigo à Polícia. – informou a tia Sara.
-À Polícia? Porquê?
- Vamos apresentar queixa contra o Ricardo Mendes.
- Queixa?! Não, não posso.
- Porque não?
- Porque... desculpa, tia, mas amanhã já tenho planos marcados.
- O que é que é mais importante do que ver aquele miúdo punido?
- Amanhã, a Mariza vai sair com o Javi! – berrou Dalila no seu quarto.
- Ah, pronto. Amanhã está fora de questão. Assim, fica para depois de amanhã.
- Na sexta-feira não dá. Quero adiantar alguns tpc’s para no fim-de-semana dedicar-me inteiramente ao trabalho.
- Hum, sendo assim, logo combinamos noutro dia.
- Está bem. Obrigada, tia.
- De nada, querida. Tem uma boa noite.
- Gracias, a ti también.
- Ouviste, mãe? Até já fala Espanhol! – exclamou Dalila do quarto.
Dalila e a tia Sara riram-se, enquanto eu escovava os dentes.
Voltei para o quarto e ajudei a minha prima a ajustar a colcha da cama.
- Não queres apresentar queixa, pois não? – perguntou Dalila, desconfiada.
- Não, não quero.
- Porquê?
- Porque não! Ele não me violou.
- Preferias que o tivesse feito?
- Não, parva! É claro que não.
- Então...?
Abanei a cabeça, teimosa.
- Já pensaste que se apresentares queixa, podes impedir que ele faça isso a mais vítimas?
- Não quero e não vou fazer queixa! Imagina a vergonha que passava na escola se soubessem! Iriam olhar-me como uma coitadinha. E não te esqueças da minha tia Madalena. Se soubesse ía telefonar ao meu pai e a Juliet vinha logo atrás. Nem pensar nisso!
- E se a tua tia não souber ?
- Se não souber?
- Sim, podiamos ocultar que não é o mesmo que mentir.
- Não podes ocultar nada da Polícia, estás doida?! Perguntar-me-íam sobre os meus pais. E o que é que diria? A minha mãe está morta e o meu pai fugiu para o Reino Unido com uma cabra! Ah, já me esquecia: e fecharam-me a sete chaves com os tios mais parvos do mundo.
- E se fosse uma queixa anónima?
- Talvez sim. Talvez não. Tenho de pensar.
- Já é um começo.
- Agora tenho de ligar à tia Madalena.
- Acho que a minha mãe já está a falar com ela.
Olhámos para a porta fechada da cozinha. De vez em quando, ouviam-se uns berritos.
- Isto é muito perigoso. – comentei.
- Concordo.
- Há quanto tempo elas não se falavam?
- Desde que a Silvia morreu.
Dalila, desde que a minha mãe morrera, tratava-a sempre pelo nome próprio. Ela pensava que era menos doloroso para mim, ouvir o nome da minha mãe do que ouvir a expressão “a tua mãe”. Mas para além disso, Dalila não conseguia aguentar a ideia de perder a sua mãe, como eu perdi, pois a tia Sara e eu somos as únicas pessoas que constituem a sua pequena família.
- Bem, é melhor deitármo-nos. Amanhã temos de nos levantar cedo.
- Sim, é melhor.
- E tens de dormir bem. Vais ter um encontro.
- Não é nenhum encontro, Dádá. Ele é apenas simpático em dar-me boleia até ao Hospital.
- Sim-sim, vai-me contando histórias.
- Boa noite, Dádá.
- Boa noite, Marishka.
(...)
No refeitório, quinta-feira à hora do almoço:
- Credo, rapariga! Abranda o ritmo, sim? Ainda ficas mal-disposta com todas essas pressas!
- O que foi? Não tou com pressa. Tenho fome!
- Tu? Fome? Tu nunca tens fome! És sempre uma morte lenta a comer.
Fiz uma careta à minha prima.
- Vou deixar passar essa, porque estou com pressa.
- Estás a ver que estás com pressa?!
- AH, AH, AH. Que piadinha. Vê lá se não te cai um dente.
- Oh, meus ricos dentes. – gozou Dalila. – Estás de mau-humor, isso significa que estás nervosa.
Revirei os olhos. Acabei de almoçar e despedi-me de Dalila.
Ainda faltavam 5 minutos para as 14 horas.
A minha respiração e pulsação estava aceleradas. A tremelicar, puxei do maço de cigarros que se encontrava na minha mala comprida e preta.
Quando vi um Audi branco a surgir na estrada, atirei o pequenino cigarro para o chão e apaguei-o com as All Stars. Puxei a mala para cima, atirei o cabelo para trás e encaminhei-me até ao carro. Abri a porta e entrei.
- Buenas tardes.
- Olá, Espanhol.
Ele aproximou o seu rosto e depositou um beijinho sumarento de ternura na minha bochecha que logo de seguida, corou.
- Fumas?
- Sim, mas pouco.
- Fumas en ocasiones especiales?
Encolhi os ombros.
- Costumo fumar, quando estou nervosa. – desabafei sme pensar.
- Estás nerviosa?
- Não. – murmurei.
- Entonces, por qué fumaste?
- Porque... apeteceu-me.
- Muy bién. – disse ele, virando a sua atenção ao volante do carro.
Ligou o motor, pôs a mudança e partimos rumo ao Hospital.

Soulmates Never Die ~ 9º capítulo

Eram 18 horas, quando saí da escola e fui à Torradinha comprar um croissant de chocolate.
Sentei-me nos banquinhos da paragem da camioneta, enquanto lanchava e ouvia The Cranberries.
Sentia as ruas muito pouco movimentadas. Vi um carro pequeno e de cor cinzenta a parar ao pé do sítio onde me encontrava. Prendeu-me a atenção.
O motor desligou-se e de dentro do carro saiu um rapaz alto e entroncado com um sorriso vacilante. Aproximou-se de mim com um andar de predador.
- Olá-olá. Vejam só a beldade que ela é.
Olhei para cima.
- Ricardo?
No preciso momento que acabei a pergunta, ele atingiu-me a cara com um spray. Perdi os sentidos.
(...)
What’s in your head... in your head... zombie-zombie-zombie...
Acordei ao ouvir a vocalista dos The Cranberries.
Olhei para os lados. Estava dentro de um carro minúsculo que quase me asfixiava.
- Onde estamos?
- Num sítio onde ninguém nos pode ver, ouvir e incomodar.
- O que queres dizer com isso?
- Quero dizer que hoje não me escapas. – disse Ricardo, quando se debruçou para cima de mim. Agarrou-me na cara e começou a beijar-me.
Bati-lhe nos ombros para que me libertasse, mas ele era mais forte do que eu.
- LARGA-ME! JÁ!
Ele agarrou-me violentamente no pescoço e mordeu-me o lábio.
De repente, comecei a sentir o sabor a metal; tinha começado a sangrar do lábio inferior. Começou a tactear pelas minhas pernas. Agarrou-me as coxas impedindo que me movimentasse. Consegui abanar os ombros e costas, tentando soltar-me. Ele reparou nesse meu plano e empurrou-me contra o vidro. Fiquei cheia de dores de cabeça, mas não me dei por vencida. Comecei a gritar, mas parecia que ninguém me ouvia. Era de noite e mal conseguia ver para o exterior. Ele desapertou-me o fecho das calças e tirou a sua camisola. Tirou também a minha e fiquei em soutien. Batia-me, porque os meus joelhos estavam a fazer força para não abrir as pernas.
Meteu-me as mãos por detrás das costas.
- Porque me estás a fazer isto?
- Nunca percebeste! És mesmo uma vaca estúpida! Estive apaixonado por ti durante 3 anos.
- A sério?
Deu-me duas bofetadas na cara. Arranhou-me as pernas. De um momento para o outro, também já sentia bastantes dores das nódoas negras que ele me tinha feito, assim como bastante arranhões e vergões. Ele continuava a bater-me. Com as mãos atrás das costas, consegui chegar ao manípulo da porta. Com todas as minhas forças, deilhe um pontapé no meio das pernas.
Ele gritou de dor e era esta a minha oportunidade. Abri a porta e meti uma perna fora do carro. Ricardo – ainda a gritar – agarrou na outra perna que ainda permenecia dentro do carro. Fez-me desiquilibrar e caí com a cara no chão. Ainda assim, gritei, inutilmente. Mas a minha tatuagem – a estrela da sorte - ajudou-me e deu-me forças para não desmaiar e dar-lhe outro pontapé. Reparei que desta vez o tinha atingido na cara.
Levantei-me a cambalear e comecei a correr a uma velocidade mínima, mas era a única a que me conseguia movimentar. A chorar atravessei uma estrada. Não estava nada segura do meu próprio corpo. Pensava que iria desmaiar a qualquer momento. Para meu infortúnio ou para minha plena sorte, obversei um carro escuro na estrada. As luzes incadeavam-me.
Se pensar, sentei-me no meio da estrada. Fechei os olhos e murmurei:
- Mãe, vem buscar-me.
Apenas ouvi o carro a parar abruptamente. De seguida, perdi os sentidos.
(...)
It doesn’t hurt me. You wanna feel how it feels?
You wanna know, know that doesn’t hurt me? You wanna hear about the deal I’m making?
Remexi-me.
- No te muevas. Puedes dormir, estás a salvo.
Algo naquela voz me fez ficar mais tranquila, por isso, obedeci-lhe.
(...)
Pestanejei e abri os olhos. Fechei-os logo de seguida, devido à excessiva luz. Devagarinho, voltei a abri-los. Olhei à minha volta. Fiquei de queixo caído. Estava deitada numa cama de casal larga e comprida. O quarto era belíssimo. Mesmo em frente ao quarto havia um vidro e do outro lado, avistei várias cadeirinhas que repousavam na relva verdinha do jardim.
Apesar de estarmos em Novembro, o tempo estava seco e com um ventinho fresco que fazia balançar algumas palmeiras do jardim.
Sentei-me na cama fofa. Algo se mexeu perto de mim. Olhei para o lado e vi um rapaz com barba por fazer, cabelo castanho bem curtado dos lados, olhos cor-de-avelã e lábios sensuais a mirar-me.
- Espanhol?
- No te muevas. – disse, recostando-me a almofada atrás das costas. – Cómo estás?
- Nem sei bem. Hey, como vim a parar aqui? Aliás, onde raio é que eu estou? Calma. Morri e fui para o Céu?
Ele riu-se das minhas confusões.
- No, no estás muerta! Te vi en la carretera la noche anterior. Se desmayó. Te he traído en mis brazos y esta es mi casa.
- Eras tu o dono do carro preto?
- Sí.
- Oh meu Deus.
- Qué te pasó?
- Eu... eu não quero falar sobre isso...
- Tienes cicatrices en las rodillas y las piernas.
- Como sabes? – perguntei, desconfiada e medrosa.
- Usted fue casi desnudo.
- Oh meu Deus, que vergonha! – exclamei ao corar.
- Se no quieres decirme lo que pasó, está bien, pero usted debes informar al médico.
- Dizer ao médico?
- Sí.
- Mas qual médico?
- El médico que acaba de llegar.
- O quê?! – perguntei, escandalizada.
- Buenos díaz, senõr García. – disse um senhor que aparentava ter 50 e tal anos. Era baixinho, tinha o cabelo grisalho, bigode farfalhudo, olhos castanhos muito escuros tapados por uns óculos.
- Buenos díaz, médico.
- Así que vamos a ver el problema con esta bella joven.
Senti-me um pouco desconfortável, visto que não conhecia aquele doutor.
Ele calçou umas luvas brancas, puxou os óculos para cima e agarrou-me delicadamente no rosto.
- Ella tiene muchos moretones.
- Sí-sí, pero también tiene muchas en las piernas y en las rodillas. – informou o Espanhol. Olhei para ele, semicerrando os olhos que faíscavam. Ele olhou-me profundamente também.
- En serio? Puede desnudarse, por favor? – pediu o médico.
Olhei para o meu próprio corpo debaixo dos lençois brancos.
Lentamente, o meu olhar foi de encontro ao do Espanhol.
Passados dois segundos ele compreendeu.
- Estoy en el comedor si me necesitas. Hasta ahora. – e abandonou o quarto.
Assim sendo, despi-me. O médico mirava as minhas nódoas negras e vastas cicatrizes e apontava tudo num pequeno bloquinho na mesa de cabeceira.
Eu nunca abri a boca. De vez em quando, fazia caretas, enquanto o médico carregava nos hematomas.
Disse para me voltar a vestir, tirou as luvas e abandonou o quarto.
Suspirei. Olhei para a mesinha de cabeceira e encontrei um rádio.
Liguei-o na Rádio Comercial. Estava a tocar uma música que eu gostava muito, chamada All Good Things de Nelly Furtado.
Ajeitei melhor a roupa no meu corpo. Procurei um espelho e pela primeira vez após o que me tinha acontecido, vi-me ao espelho.
Tinha os lábios inchados e as bochechas muito vermelhas e doridas.
Perto do queixo formava-se uma nódoa negra em tons roxos. Bufei.
Arranjei o cabelo. Olhei através da vitrina que dava para o jardim.
Assustei-me quando vi o Espanhol a andar de um lado para o outro com os dedos a apertarem a cana do nariz. Finalmente, atirou-se para uma cadeira.
Mordi o lábio. A música tinha acabado. Abri o vidro e sentei-me numa cadeira ao lado da sua.
- Yo no... yo no puedo creer.
- Em que é que não consegues acreditar?
- Tú...? – suspirou profundamente, massajando a cana do nariz com os olhos fechados. – Mariza. Es cierto que te violaron?
- Como é que...
- ES ESTO CIERTO? – berrou ao olhar-me ferozmente.
Os meus lábios estavam semi-abertos com a surpresa.
- Não... não fui violada.
- Entonces, qué te pasó?
- Eu não deixei que isso acontecesse. Ele apenas me bateu.
- Él? Quién?
- Ninguém, esquece isso.
- QUIÉN?
Engoli a seco.
- Um ex-colega meu.
- Nombre? La escuela? – exigiu saber.
- Por que é que queres saber?
- Mis cosas. Dima su nombre y su escuela, por favor.
- Mas para quê? Não te vais emter em confusões por minha causa!
- Ese tipo trató de una violación.
- Sim, mas...
- Pero nada!
Vi que aquela conversa não daria lugar a nada; tentei ir por outro caminho.
- Por que é que fazes tudo isto por mim? Qual é a razão? Nem sequer posso dizer se somos ou não amigos, no entanto, tens me ajudado imenso. Porquê?
O Espanhol fitou as palmeiras.
- Porquê?
- Yo no lo sé. – mirando-me.
- Não sabes?
- No.
Desviei o olhar.
- Onde estou?
- En Sintra.
- Onde é a porta?
O Espanhol olhou-me confuso.
- Por qué quieres saber?
- Para me ir embora.
- Si no quieres quedarte, yo te puedo llevar a casa.
- Não quero ficar.
Ele olhou para mim, mas eu não retribuí o olhar. Passados uns segundos, ele bateu com as mãos nas pernas e levantou-se.
- Voy a conseguir las llaves del coche.
(...)
Durante o caminho não dissemos uma palavra.
O rádio estava sintonizado na Rádio Comercial que tocava Try de Nelly Furtado.
Pedi-lhe para me levar a Sacavém, rumo à casa da minha prima.
Chegámos ao destino. Ele desligou o motor. Encostou a cabeça à almofada do banco e fechou os olhos. Puxei uma mecha de cabelo para trás da orelha esquerda.
- Javi... desculpa se fiz algo de errado.
- No hizo nada malo.
- Então, porque estás chateado comigo?
- No estoy molesto contigo.
- Estás sim. Senão tivesses, não estarias assim.
- Estoy molesto conmigo mismo.
- Porquê?
- Por qué estoy me di cuenta de algo.
- Do que é que te estás a aperceber?
O Espanhol coçou o cantinho do lábio inferior perfeitamente esculpido pelos mais brilhantes Deuses.
- Lo que estoy sintiendo.
- E o estás a sentir?
Os meus lábios estavam semi-abertos, pois de vez em quando, mordiscava-os. O Espanhol olhou para mim; virou o seu corpo.
Como num acto reflexo, aproximou-se de mim e deixou que os seus lábios perfeitos – com uma curva belíssima em forma de coração no lábio superior – tocassem nos meus muito levemente.
Não correspondi ao beijo, devido à chocante surpresa.
Ele recuou apressadamente.
- Perdóname. No debería haberlo hecho.
- Eu... – murmurei, incapaz de falar coerentemente.
- Será mejor que vayas.
- Sim-sim. É melhor.
Não sei como, consegui abrir a porta do carro e saí.
Subi as escadinhas que davam lugar aos grandes prédios da Quinta do Património. O BMW preto reluzente já tinha deixado o passeio e seguia na estrada. Toquei à campainha.

Soulmates Never Die ~ 8º capítulo

Pestanejei. Olhei para o meu lado esquerdo e fiquei desapontada, pois não vi quem esperava ver. Levantei-me e fui abrir a janela. Dei uma olhadela ao espelho, ajeitei o cabelo para trás das costas e saí do quarto.
Sobressaltei-me ao começar a ouvir a música Volare dos Gipsy Kings.
Encaminhei-me até à cozinha, pois o som provinha de lá.
Vi o Espanhol a procurar algo para comer.
- Posso ajudar?
- Oh. Hola. Te desperté? Perdóname.
- Não, já dormi o suficiente. Passas a vida a dizer-me “perdóname” – informei-o, emitando o seu sotaque tão latino.
Ele sorriu.
- Perdóname.
- Estás a ver?!
Ele riu-se.
- Gostas de cereais de chocolate?
- Sí.
Procurei no armário os meus cereais de eleição.
- Será que gostas destes? Acredita que são muito bons.
O Espanhol olhou para a caixa dos Crush.
- Son mis favoritos. – disse, espantado.
- A sério? Também os meus.
Sorri-lhe, enquanto encontrava duas tacinhas amarelas para pôr os cereais.
Comemos rápido e, despachámo-nos a fim de voltarmos ao Hospital.
Entrámos no Hospital e dirigimo-nos à recepção.
- Boa tarde. Somos amigos do André Santos, podemos vê-lo?
- Peço imensa desculpa, mas agora é impossível. O doente teve um acidente. – disse a rapariga de cabelo castanho, com os ocúlos a caírem-lhe pelo nariz. Franzi as sobrancelhas, confusas.
- Como assim “acidente” ?
- O Sr. Santos foi fazer um RAIO-X ao joelho direito e, enquanto se encaminhava para a sala de exames, a sua perna perdeu as forças e caíu.
- CÓMO?! – inquiriu o Espanhol ao não querer acreditar.
- O pior, é que bateu com a cabeça no chão. Os médicos estão a averiguar se tem ou não traumatismo crâniano.
Fiquei paralisada. O Espanhol apertou-me o ombro, esperando a minha reacção. Finalmente, explodi.
- Como pôde isso acontecer?! Ele foi sozinho?
- Não, mas...
- Com uma lessão no joelho, não devia andar numa cadeira de rodas nos deslocamentos para os exames?
- Sim, mas o Sr. Santos insistiu várias vezes para ir pelo seu próprio pé, de modo a ver a gravidade da lessão.
- DEVIA TÊ-LO OBRIGADO! – berrei para a recepcionista, atrapalhada.
- Cálmate, Mariza. Cálmate.
- Não me peças para ter calma, Javi! O André tem traumatismo crâniano. Pode inclusivé entrar em estado de coma!
- Os médicos estão a fazer todos os possíveis para que tal não aconteça. – disse a rapariguinha.
O Espanhol agarrou em mim e dirigiu-nos à sala de espera.
Não me consegui sentar; andava de um lado para o outro a barafustar baixinho.
- Eu não acredito nisto! Eu não acredito nisto! – repetia eu sem cessar.
- La culpa es mía.
- Não é nada! Não digas isso! A culpa é dos médicos. Mas onde é que já se viu: um doente a não querer andar de cadeira de rodas e os médicos fazem-lhe as vontadinhas todas?!
Finalmente, sentei-me. Passados uns dez minutos, uma enfermeira veio à sala de espera.
- Mariza Ventura? – chamou.
- Sou eu. – disse ao levantar-me.
- Precisamos da sua ajuda.
A forma como ela disse aquilo, fez-me ficar com pele de galinha e pálida.
(...)
- Vá lá, Néné! Tu eras óptimo a Matemática. Faz 54860+20107 e divide esse resultado por 5.
- Mariza, estás doida ou quê? Estou cheio de sono, deixa-me dormir.
André estava muito, muito cansado, mas eu tinha um papel a cumprir: não o podia deixar dormir, pois podia ser fatal. A sua pele estava muito branca. Os seus olhos quase perderam o seu brilho.
- NÃO! Não podes! Olha, sabes quem está lá fora?
- Diga-me. – suspirando.
- O Espanhol.
- O QUÊ?! – exclamou ele, bem alto. – O Javi García está na sala de espera? Foi por causa daquele gajo que estou aqui!
- Pois, eu assisti a tudo, mas... ele não teve culpa, sabes?
- Ai não? Por acaso, estavas a ver o jogo? Viste o que ele me fez? Bolas, Mariza. Isso nem parece teu. Se não soubesse que não gostas dele até diria que o estás a defender.
- Não, nada disso, é só que...
- Hum-hum. Olha podes fazer-me um favor? Vais buscar-me um copo de água, se faz favor?
- Eu não devia, André.
- Estou cheio de sede.
Matutei um pouco.
- Está bem. Volto num instante.
Apressei-me até à máquina de água no corredor. Voltei ao quarto do André.
- Trouxe-te a água. – informei-o ao fechar a porta. Olhei para ele.
- André? – chamei-o ao vê-lo de olhos fechados. – ANDRÉ?!
Deixei cair o copo de água e comecei a gritar, junto à cama.
- André. André, por favor, não sejas invejoso e deixa-me ver esses olhos lindos!
Bati-lhe na cara, mas ele não reagia.
Pouco tempo depois, as enfermeiras ouviram os meus berros e entraram no quarto, mandando-me embora.
Voltei para a sala de espera, a chorar.
O Espanhol correu para mim e abraçou-me.
Pouco depois, a enfermeira de à pouco, voltou.
- O Sr. Santos entrou em estado de coma. Lamento.

- Mariza é melhor parares de beber!
- Porquê? – perguntei à Patrícia, enquanto me preparava para abrir a quarta cerveja. – A minha vida é uma merdae hoje o meu melhor amigo entrou em estado de coma.
- Yah. É preciso ter mesmo muito azar, fogo! No preciso momento em que o André ía marcar golo, o Javi García aparece e faz-lhe uma coisa daquelas.
- Mesmo. Eu também fiquei passadinha de todo, mas depois fui falar com ele e percebi que ele estava com problemas.
- O quê?! Falaste com ele? O que é que me andas a esconder, Mariza Ventura?
- Eu conheci-o.
Patrícia levantou as sobrancelhas.
- Tu. Conheces. O. Javi. García?
- Yap. – solucei. – É meu amigo, acho.
- OMG! – exclamou Patrícia. – E ainda dizer que tens uma vida de merda!
Rimo-nos.
Quando acabei de beber a sexta cerveja, Patrícia ajudou-me a levantar e levou-me atè casa. Para meu grande azar, a minha tia estava em casa.
- Boa noite, D. Madalena.
Boa noite, Patrícia. – disse a minha tia, serenamente, mas perdeu toda a sua calma, quando viu o meu corpo cambaleante ao lado da minha amiga.
- O que é que lhe aconteceu?! – berrou a minha tia.
- Nada de especial. A Mariza só precisa de descansar.
- Está completamente bêbeda, diz assim!
- Acha?! Não estou nada. – provocando a minha tia.
- Posso levá-la para o quarto?
- Sim-sim. Obrigada, Patrícia.
Fomos para o meu quarto. Estendi-me na cama.
- Mariza-Mariza. Como tu mudaste...
- As pessoas mudam, Tixa. É a vida.
- Pois, mas no teu caso, acho que nem o Diabo te reconheceria.
Ri-me.
- Adoro essa música.
- Hã?
Tirei o meu telemóvel do bolso e procurei na minha lista de músicas por Devil Wouldn’t Reconize You de Madonna. Começou a tocar; Patrícia abanou a cabeça.
- Amanhã vais à escola?
- Claro. Essa senhora está cheia de saudades minhas, tal como eu tenho saudades dela.
Patrícia olhou-me profundamente com os seus olhos castanho-esverdeados acusadores.
- Vê lá se melhoras, rapariga. – aconselhou ao sair do quarto.
Levantei-me e acendi um cigarro. Sentei-me em frente ao enorme espelho.
Afastei o fumo do rosto, pois atrapalhava-me a visão do rosto reflectido.
Os olhos daquele rosto estavam cansados; o nariz e as bochechas estavam mais rosadas do que o costume; o cabelo não estava brilhante e fluido; o corpo estavam mole e pouco equilibrado. Levei o cigarro à boca.
Seria a minha mãe capaz de me reconhecer?
Gostaria em quem a filha se tinha tornado?
Ficaria feliz? Ou desiludida?
Reconhecer-me-ía?
Enquanto acabava de fumar o cigarro, Madonna respondia: Even the Devil wouldn’t reconize you...

Soulmates Never Die ~ 7º capítulo

- Estás nervosa, priminha?
- Não sejas ridícula, Dádá.
- Então por que é estás a agarrar-te assim às tuas próprias mãos que ainda as vais fazer sangrar, senão parares de fincar as unhas nelas?
- Como eu já disse, não sejas ridícula, Dadá.
- Hum-hum. Pois-pois. Olha viste aquilo?! – disse a minha prima em choque.
- O quê?
- O Javi está no chão a queixar-se do joelho!
- O QUÊ?! NÃO PODE! – exclamei ao aproximar-me mais para ver melhor. Quando o vi em perfeita condições a disputar a bola com outro jogador do Sporting, virei-me para a minha prima com vontade de a espancar.
- Mas que piada, Dádá.
A minha prima começou a rir-se, sem aguentar mais por ver as minhas figuras tristes.
- O André está a comportar-se bem. – comentou a minha prima.
- Como sempre.
O jogo decorria sem muitas faltas e sem golos.
- Estás a pensar em dizer-lhe a verdade, Marisca?
- Dizer-lhe a verdade? Qual verdade? E a quem, já agora?
- Tens de parar de mentir a ti própria. Sabes que gostas do Javi.
- Mas que raio de conversa é esta?!
- É a conversa que precisas de ouvir. Para se ser teimosa e orgulhosa. Sabes que gostas dele e ele também gosta de ti.
- Eu não gosto dele e ele também não gosta de mim. Ponto final. Parágrafo!
Dalila abanou a cabeça.
Concentrei-me no jogo. Quando dei por ele, o Sporting tinha marco o primeiro golo da partida.
- Mas... o que aconteceu?! – perguntei, chocada.
- O Yannick Djálo marcou um golo na baliza do Roberto.
- A sério?! – perguntei, sarcástica.
Senti que o meio-campo do Benfica estava muito desprotegido.
De onde nos encontravamos, eu e Dalila até conseguiamos ouvir os berros de Jorge Jesus. Ele gritava por um nome claramente distinto dos outros.
O erro do meio-campo era do Espanhol.
Passados 20 minutos, Cardozo marca um golo.
Aos 15 minutos para o final da segunda parte, Pedro Mendes passa para André Santos que tentava fintar o Espanhol. Conseguiu correr com a bola e agora preparava-se para rematar fortemente à baliza, mas o Espanhol aparece ao lado de André e desliza no chão ao tentar afastar a bola dos pés de André. Com um pé, o Espanhol tirou a bola dos seus pés e com o outro, atingiu brutalmente o joelho de André.
As bancadas estavam em euforia. Começaram a assobiar.
O árbitro correu para junto de André Santos que estava no chão, cheio de dores. Deu cartão vermelho ao Espanhol e mandou entrar em campo os médicos. Com grande rapidez, pusseram-lhe gelo, mas André continuava sem se poder mover. Parecia que chorava com dores.
O meu coração congelou nesse momento e estilhaçou-se em pequeninos pedaços, quando André saiu do campo numa maca, desmaiado.
O meu cérebro racional começou a trabalhar apressadamente.
- Dalila, vai para casa antes do jogo acabar. É mais seguro. Eu vou ver como está o André.
- Está bem. Está bem. Queres que vá contigo?
- Não é preciso, priminha. – dei-lhe um beijinho na bochecha e desci as bancadas a correr.
Entrei no Balneário do Sporting.
- André? – interroguei imensas vezes, quando afastava os médicos e especialistas. – Como é que ele está, Doutor?
- Quem é a menina?
- Chamo-me Mariza Ventura e sou a melhor amiga do André.
- Como é que entrou aqui?
- O Sr. Félix já me conhece. – referindo-me ao Guarda-costas dos Balneários.
- Ficamos mais descansados, assim.
- Pois, mas eu ainda não estou. Como é que ele está? – perguntei novamente, ajoelhando-me no chão ao segurar a mão de André, ainda inconsciente deitado na cama.
- Tem uma lessão no joelho. Não sabemos o quão grave é, mas amanhã faremos exames e assim saberemos o seu estado de gravidade.
- Muito bem, Doutor. Vai levá-lo ao hospital?
- É melhor.
- Se assim o acha. Posso acompanhá-lo?
- Claro.
- Obrigada. – procurei o meu teemóvel no bolso das jeans pretas.
Procurei o número de telemóvel da mãe de André. Comuniquei-lhe o sucedido e disse-lhe que o íamos levar ao Hospital.
Muitos dos médicos abandonaram o Balneário.
O Doutor estava ao telemóvel, devia estar a pedir uma ambulância.
Olhei para o ecrã do meu telemóvel; o jogo já tinha acabado à cinco minutos. Dei um beijo na mão de André e levantei-me.
- Eu já volto, Doutor. Não se vá embora até eu chegar, está bem?
- Combinado.
- Obrigada. – e saí do balneário do Sporting.
Pedi a Félix que me indicasse o caminho para o Balneário do Benfica.
Andava de um lado para o outro à espera que alguém saísse de lá.
Finalmente e seguidos dosoutros jogadores do Benfica, o Espanhol saiu.
Ficou surpreendido por me ver lá, à sua espera.
- POR ACASO SABES O QUE É QUE FIZESTE?
- Lo siento mucho. – disse, sem conseguir fitar-me.
- “Lo siento”? É só isso que consegues dizer? Tu. Lessionaste. O André. O teu amigo! Como podeste?!
- Mariza. Lo siento, de verdad.Estoy muy confundido. No sé qué hacer. No sé lo que está bien y qué está mal. – abanando a cabeça ao enrugar e testa. Ele estava mal-disposto, sem paciência, mal-humorado. – Por favor, déjame pasar.
- Não deixo, não senhor! Se estás com problemas e precisas de desabafar, eu sou uma boa ouvinte e dou bons concelhos. Por isso, fala, Espanhol!
- Nadie me puede ayudar. Soy yo quien debe resolver las cosas.
Pousei a minha mão no seu ombro, dando-lhe apoio.
- Diz-me o que se passa.
- Tú sólo empeoras las cosas.
- Eu?! Então, agora a culpa é minha?!
- No. Sí. No.
- Em que ficamos? Sim ou não?
- No puedes ayudarme.
- Porquê? Achas que sou demasiado criança, é isso?
- Tú? Ninã? Eres una mujer.
Aproximei-me dele, agressiva.
- Então, faz-me sentir como tal.
O meu peito enchia-se e esvaziava-se muito depressa.
Os nossos corpos estavam muito próximos.
Olhavamos para os olhos e lábios um do outro.
- Por favor, no... – disse o Espanhol, mas sem forças.
Fechei os olhos à espera que os seus lábios tocassem nos meus.
Tal, não aconteceu.
- Mariza Ventura? Está aqui? Procurei-a por todo o lado. – afirmou o Doutor. – A ambulância chegou.
Os meus pés aterraram no chão, pois estava em biquinhos de pés.
Olhei para a T-shirt do Espanhol e virei-me para o Doutor.
- Obrigada por me informar. Vou já a caminho.
O Doutor acenou com a cabeça e rumou corredor a fora.
Suspirei.
- Xau. – virei-lhe as costas, mas recuei no momento a seguir.
O Espanhol prendeu-me o braço.
- Larga-me! – ordenei.
- Vas con André en el Hospital?
- Se me largares, vou.
- Voy a llevarte allí.
- Não é preciso, obrigada.
- Por favor, no seas obstinada.
- A questão aqui não se trata de eu ser ou não teimosa. A questão é que tu lessionaste o meu melhor amigo e eu vejo que estás com problemas e eu quero-te ajudar, mas tu não me deixas. Agora, larga-me.
O Espanhol largou-me.
- Bueno, te diré.
- Finalmente!
- Es mi chica.
Tentei que ele não se aperceber-se que eu fiquei incómodada.
- O que se passa com ela?
- Ella... yo no la amo, pero ella no entiende eso.
- Se não a amas, porque estás com ela?
- Pensé que la amaba, pero ahora...
- Agora o quê?
- Ahora es todo muy complicado. – disse, triste.
- Sabes que podes sempre contar comigo?
- Sí, peso qué sí.
Sorri-lhe.
- Peço desculpa, mas vou ter de ir. – afastando-me.
- Dejo que te lleve.
- Como já disse, não é necessário. Depois falamos.
- Muy bien, lo que sea.
- Fica bem e não faças disparates.
- Tú también.
Corri pelo corredor, até que encontrei o Doutor. Já estavam a levar o André para a ambulância numa maca.
Sentei-me perto de André que estava a dormir. O Doutor disse que ele estava consciente, apenas estava cansado, por isso, dormia.
Conseguia ouvir a música que passava na rádio: Quando a Chuva Passar de Ivete Sangalo. Revirei os olhos ao notar a situação presente e a música.
Por acaso, lá fora, estava a chover.
(...)
- Menina? – ouvi alguém a abanar-me o braço.
Acordei, sobressaltada. Olhei em redor. Estava numa cadeira, mas toda debruçada sobre a cama onde André dormia.
- Como é que ele está?
A enfermeira loirinha fitou-me.
- Sente-se bem? Parece cansada. Quer que lhe arranje uma cama?
- Oh nem pensar. Como é que ele está?
- Está a dormir. Dentro em breve, temos de o acordar para lhe fazermos os exames.
- E quando é que têm o resultado dos exames?
- Por volta do final da tarde.
Suspirei, aborrecida.
- Tanto tempo.
- Vai ver que passa num instante. Agora se não se importa, pode sair, por favor?
- O que lhe vão fazer?
- Os relatórios para o Doutor.
- Ah, pois. Com certeza. Quando souber de alguma coisa, avisa-me?
- Claro. Aguarde na sala.
Acenei com a cabeça e saí do quarto, após ter feito uma festinha na cara pálida de André.
Fui para a sala de espera, meia a cambaliar para os lados.
Estavam lá três pessoas, mas uma dela, saltou-me à vista.
Semicerrei os olhos, ensonados.
- O que estás aqui a fazer?
- He estado aquí toda la noche esperando.
- És louco. – disse ao sentar-me ao lado do Espanhol.
- Noticias?
- Escorraçaram-me do quarto, porque vão fazer relatórios para o Doutor. Depois vão fazer-lhe exames e à tarde sabemos os resultados.
- Demasiado tarde.
- Foi o que eu disse à enfermeira.
Afastei o cabelo para trás.
- Perdóname.
- Eu já percebi que estás stressado com a tua namorada e assim, pronto. Foi um acidente.
- Sí, es certo.
- O que importa agora é que o André recupere rapidamente.
- De acuerdo.
- Sabes que horas são?
O Espanhol olhou para o ecrã do seu telemóvel.
- Son las diez.
Abri bem os olhos.
- Devia estar na escola.
- No es capaces de ir a la escuela.
- Por que não?
- Te ves muy cansado. Hay qué ir a dormir.
- Não é preciso, eu aguento-me.
- Y si te llevo a casa a dormir en la tarde y regreso al hospital?
Olhei-o. Não era má ideia.
- Está bem, parece-me uma ideia sensata.
Ele sorriu, com os olhos a brilharem.
Saímos do hospital depois de eu dizer às enfermeiras que voltávamos à tarde.
Saímos para a rua e o Espanhol encaminhou-me para um BMW preto reluzente.
- WOW!
- Qué pasa? – perguntou ele, virando-se para mim, curioso.
- Este é o teu carro?
- Sí, por qué?
- É... um espanto!
Ele riu-se.
- No suelo andar en día con este coche.
- Então andas com qual?
- Con un Audi blanco.
- Outro espanto!
Ele abriu-me a porta do lado do condutor e eu entrei. Fechou-me a porta e entrou no carro.
Mas quem é que andava de dia com um Audi branco e à noite com um BMW preto?! Ah, espera, o Espanhol andava (eheh).
Indiquei-lhe o caminho para a Quinta da Piedade.
Procurava uma música decente no rádio.
Finalmente, encontrei uma boa: Wonderful Life de HURTS.
Comecei a cantarolar.
- Don’t let go. Never give up, it’s such a wonderful life.
Notei que o Espanhol me fitava.
- O que foi?
- Cantas bien. También me gusta esta canción.
- Obrigada. Gosto bastante do ritmo dela e a letra também é importante.
- De acuerdo. Nunca debe darse por vencido.
- Apoiado.
- Y autoconfianza es el primer secreto del éxito.
Olhei para ele.
- Também concordo.
- Cuáles son tus bandas y cantantes favoritas?
- Oh! O meu cantor preferido é o Bob Marley. Também gosto muito da Madonna. Os Coldplay, The Police e Tribalistas são as minhas bandas preferidas.
- Sé que todos, excepto el Tribalistas.
- São brasileiros.
- Ah.
- E tu?
- Me gusta escuchar a la música espanõla.
- Pois, claro. Deves gostar de ouvir a Shakira.
- Sí, un poco.
- Acho que ela agora namora com o Piqué.
- Sí, es verdad.
- Conhece-lo?
- Sí, la selección española.
- Ah, pois é.
(...)
O Espanhol estacionou o carro no parque.
Começámos a subir a escadaria que dava lugar às diversas entradas para os prédios baixos. Procurei as chaves no bolso, um pouco atrapalhada.
Era a primeira vez que trazia à minha casa um rapaz (sem contar com o André, é claro, que era como se já fizesse parte da mobília).
Enfiei a chave na fechadura e rodei. Limpei os pés e entrei.
Pus as chaves na cómoda do wall de entrada e olhei para a porta.
- Entra. – disse, tímida.
- Gracias.
Okay... respira fundo. Acabou de entrar um jogador de futebol Espanhol, lindo, comprometido, que lessionou o meu melhor amigo. Calma...
- Entra aí na sala que eu vou só buscar um copo de água. – para ver se me acalmo. – Queres tomar alguma coisa?
- No-no. Gracias.
Entrei na cozinha e enchi um copo com água fresquinha. Bebi apressadamente. Dirigi-me à sala de estar. Esbugalhei os olhos, quando vi o Espanhol e olhar para o armário de vidro.
- Medallas. – afirmou ele. Fiquei sem pinga de sangue na cara.
- Sim, pois são. – disse ao aproximar-me dele.
- Si el suyo?
Mordi o lábio. Pensei em mentir, mas não o fiz.
- Sim. – suspirei. – São minhas.
- Tienes tantas. Estas medallas demostran su valía.
- Não, elas demonstram um passado que não quero relembar.
- Por qué no?
- É... complicado.
- Dime. – quando viu que não estava muito disposta para lhe contar, disse: - Ya te dije sobre mi relación, por lo que también pudes decirme.
Suspirei, derrotada.
- Estas medalhas fazem lembrar-me de como eu era, quando tinha uma família reunida que me amava. E, essas lembranças já não perduram no presente. A minha mãe era uma nadadora brilhante, quando era nova também ganhou várias medalhas de ouro em Campeonatos Nacionais.
Quando fez 30 anos, decidiu parar a carreira, por isso, iniciou carreira de nadadora-salvadora. Eu tinha 14 anos, quando ela faleceu numa praia ao salvar a vida de uma mãe e filha.
O Espanhol parecia chocado, preocupado e triste.
- Agora, o meu pai está na Inglaterra com a minha madrasta, que por acaso era colega da minha mãe. Eu estava na praia onde ela trabalhava no dia em que a minha vida deu uma volta de 180 graus. Eu vi tudo. Queria socorrê-la, pois nessa altura já sabia nadar muito bem e já tinha ganho todas estas medalhas. Mas a Juliet – a minha madrasta – não me deixou, por isso fiquei a observar a cara da minha mãe no momento em que foi engolida pela gigante onda. Só passados alguns meses após a sua morte, é que eu percebi que o pai já não a amava e este, foi o momento certo para voltar a casar e partir de Portugal. Assim, deixou-me aqui na guarda dos meus tios paternos. – concluí com lágrimas nos olhos. Nunca tinha contado a minha vida assim a uma pessoa. Nunca.
O Espanhol endireitou os meus ombros e abraçou-me.
- Perdón, Mariza.
- Não me peças desculpa. – murmurava contra o seu peito. – A culpa não é tua. Nem minha. A culpa não é de ninguém.
Ele fazia-me festinhas no cabelo. Eu apenas lhe rodeei as costas com os meus braços. Ficámos assim, durante um pouco.
- Bueno, debes descansar. Yo vengo recogerlo más tarde para ir al hospital.
- Não, espera. Fica comigo. – pedi-lhe, com voz terna.
Sem pensar, dei-lhe a mão, encaminhando-o para o meu quarto.
Entrámos e eu fechei um pouco os cortinados.
- La prática de ballet?
Olhei para ele; vi que mirava as minhas sapatilhas de Ballet presas num pequenino prego que furava a parede branca.
- Pratiquei durante cinco anos, quando era mais pequena.
Também o vi a percorrer com os olhos as minhas diversas estantes de CD’s, filmes, livros e Enciclopédias. Programei o meu despertador para as 16 horas – antes da tia Madalena voltar da mercearia.
Deitei-me em cima da colcha branca decorada com várias flores pretas.
Olhei para o Espanhol.
- Há aqui espaço para mais um, Espanhol.
Ele sorriu e ladeou-me na cama.
- Por qué me llamas “Español” ? Tienes algo en contra de los Españoles?
- Não posso falar muito sobre isso, pois só conheço um, mas esse que conheço parace-me muito simpático.
- Así, gracias a Dios.
Abanei a cabeça, rindo-me. Fechei os olhos à espera que o sono tomasse conta de mim.
- Javi? – inquiri de olhos fechados. Disse, então, pela primeira vez o seu nome.
- Sí?
- Obrigada.
- Gracias por qué?
- Por seres como és.
Senti-o sorrir. Passados poucos minutos, adormeci.

Soulmates Never Die ~ 6º capítulo

- Bom dia, Mariza. Desculpa ter chegado um pouco mais atrasado.
- Não faz mal, Rafa.
Eu já tinha vestido o meu fato de mergulho e já tinha alimentado os golfinhos e os leões-marinhos.
- Olha antes que me esqueça: está um rapaz nos portões à tua procura.
- Um rapaz? – perguntei, semicerrando os olhos verdes. – Quem?
- Não sei, nunca o vi por cá. Ele não quis revelar a sua identidade.
- Que estranho! – exclamei até um pouco preocupada.
- Sim, realmente.
- Nem sei se deva ir lá...
- Vai, não há-de ser nada de mal. Se calhar é um colega teu ou assim.
Rafael fitou-me.
- Mas se acontecer alguma coisa grita logo, ok?
- Sim, Rafa. Obrigada.
Arranjei o cabelo para trás. Mordi o lábio. Era melhor atar o cabelo; assim o fiz. Respirei fundo e dirigi-me aos portões da Baía dos Golfinhos.
Fechei os portões atrás de mim e quando me voltei para a frente embati em algo duro. Olhei de repente para cima. Senti o sangue a fugir-me da cara.
Não acredito nisto!
- Perdóname. – disse o Espanhol. Por que é que ele estava ali?
Senti a minha pulsação mais vibrante nas veias do pescoço e da cara.
Conseguia também ouvir os meus batimentos cardíacos no ouvido.
Tentei manter o meu ritmo de respiração normal, mas com aquele sotaque Espanhol era difícil. Passei a mão pela testa, tentanto distrair-me a mim própria.
- O que fazes aqui?!
- Vine a disculparme por mi comportamiento el pasado domingo.
- E só descobriste que agiste mal passados 5 dias?
- No, pero no sabía dónde encontrarte.
- Hum... – semicerrei os olhos para os seus em tons de avelã.
- Perdóname, de verdad. No quise hacerte danõs.
- Está bem, Espanhol. Eu perdoou-te.
- Gracias. – ao iluminar os seus olhos e boca com um sorriso rasgado.
Ficámos a olhar um para outro uns meros segundos. Eu estava completamente perdida no seu olhar tão tocante, emocionante, tentador.
Sentia uma espécie de íman que me puxava para ele, que me fazia sentir bem perto dele. Tinha mesmo de começar a controlar estas forças magnéticas. Pois não me podia esquecer que o Espanhol já tinha uma “chica” como ele próprio dissera.
- Então, não devias estar no treino? Vocês voltam a jogar com o Sporting amanhã, certo?
- Sí, vamos. La formación es sólo en la tarde.
- Sendo assim, estás na tua altura de descanso, não é verdade?
- Sí, por qué?
- Devias estar a descansar para o jogo de amanhã. Não era preciso incomodares-te com os meus sentimentos.
Ele abanou a cabeça, descontente.
- Cuando sé que hago algo mal, mi consciencia se vuelve pesado.
Fiz uma careta.
- Eu também, quando estou com a consciência pesada nem dormir consigo.
- Así que tenemos una cosa en común.
Sorri-lhe.
- Presumo que tenhas de ir à tua vidinha. Eu também tenho de ir trabalhar, ainda tenho de preparar os golfinhos e os leões-marinhos para o espectáculo de hoje.
Ele acenou com a cabeça. Depois, a sua cabeça desceu ao mesmo nível que a minha e os seus lábios murmuraram perto do meu ouvido, arrepiando-me:
- Puedo ver usted en el trabajo con los delfines?
- Sim, vai haver um espectáulo às 11h.
- No, no es eso. Me pergunto si usted puede venir a verte trabajar con ellos.
Olhei para ele. Ninguém tinha permissão para entrar na Baía sem ser o pessoal do Zoo. Nem mesmo os nossos amigos. Mas algo no meu interior me disse que se não arriscasse em conhecer aquele Espanhol... arrepender-me-ía.
- Hum... calma! Eu... – comecei a andar de um lado para o outro. – Eu já venho. – Virei-me e abri os portões novamente. Corri até ao balneário.
Agarrei no meu telemóvel. Marquei o meu número salvador. Aguardei.
- Alô? – disse uma voz calma e alegre.
- Micá! Tens de me fazer um grande favor! Please!
- O que se passa, Mariza? Aconteceu algo de grave?
- Não, mas pode vir a acontecer se não me ajudares.
- Ajudo-te. Diz-me.
- Eu vou mandar o Rafael ao teu encontro e tens de inventar umas coisas quaisquer para o empatares. Achas muito díficil? – interroguei, nervosa.
- Oh isso não é nada difícil, Marisca. Mas para que raio queres livrar-te do Rafa?
- Porque... os golfinhos vão receber uma nova visita.
- Como assim?
- Um amigo meu... não quer dizer, não é meu amigo... hum... um “conhecido especial” veio visitar-me e pediu se podia ver-me a trabalhar.
- MARIZA! ISSO É PROÍBIDO!
- Eu sei, mas vá lá, Micá, ajuda-me! Se não o fizeres eu vou ficar triste para o resto da minha vida e pior: infeliz!
- Ai credo, mas que dramática.
- Não é drama nenhum! É verdade, eu sinto.
- Está bem, está bem. Eu ajudo-te, mas só se prometeres contar-me tudo o que se passa. E, quando digo “tudo” é mesmo “tudinho”, entendido?
- Sim, senhora!
- Pronto. Então manda cá vir o Rafael.
- Micá, és a maior! Adoro-te, miúda.
- Eu também. Boa sorte.
- Obrigada. – sorrindo, excitadíssima.
Corri para a piscina dos golfinhos.
- Rafael? A Ana Micaela acabou de me ligar a dizer que precisava que fosses ter com ela urgentemente.
- A sério? Mas, aconteceu alguma coisa?
- Não sei, ela não disse.
- Agora fiquei preocupado. É melhor ir já.
- Concordo plenamente.
- Então, até já. Não demoro muito.
Espero que demores e muito, pensei.
Rafael já ía a sair rumo á Ilha dos Lémures e, quando eu já ía a correr de volta aos portões, dei um pulo que quase que o meu coração parou de palpitar.
- Já me esquecia, Mariza. Quem era o tal rapaz?
- Oh esse. Tinhas razão, era um colega meu da escola.
- Ah, está bem. Bom, fui. – e, finalmente desapareceu.
Respirei fundo e corri para os portões.
- Desculpa a demora, mas tive que desempatar o meu colega.
- Corres peligro por mi culpa?
- Só um bocadinho, mas... eu gosto de arriscar.
Guiei-o até às piscinas dos golfinhos.
- Só por curiosidade: por que é que queres ver-me a trabalhar com os golfinhos? É para se certificares que eu não lhes bato ou é por gostares deles?
- Me gustan los animales. Y los delfines son animales muy sensibles. Me fascina cómo nadan. Y también estoy curioso acerca de usted.
- Estás curioso acerca de mim?
- Sí, estoy.
- Okay... desculpa se te decepcionar.
- Yo no creo.
Sorri. Respirei fundo e mergulhei na piscina dos golfinhos.
Procurei o meu apito ao pescoço. Apitei e os golfinhos começaram a aproximar-se de mim, comunicando entre eles.
Com o som do apito, consegui que eles fizessem as inúmeras piruetas que eu e Rafael lhes ensinámos.
Sempre que voltava à tona de água, observava o Espanhol.
Não estava a prestar muita atenção aos golfinhos que se divertiam em meu redor. Ele estava mais concentrado em mim a nadar, a mergulhar, a fazer peripécias na água, a complementar os exercícios dos golfinhos.
Como reparei que ele me olhava fixamente, decidi perguntar-lhe:
- O que foi? Porque olhas para mim assim?
- Perdóname, pero me fascina cómo nadas.
Nunca pensei que isto me viesse a acontecer, mas eu estava realmente a corar. Já me tinha apercebido que ele despertava em mim novas emoções. Não é estranho? Sim, é mesmo bizarro, mas eu gostava desse despertar de novos sentimentos, mas acima de tudo, apercebi-me de que ele era boa pessoa e de que poderia ser um futuro bom amigo. E, se assim sucedesse, eu ficaria bastante feliz. Embora, nota-se que dentro de mim houvesse uma forte ansiedade e nervosismo. Como que um desejo insaciável por estar ao pé dele, desejo esse que era inexistente quando comparados às sensações positivas que sentia quando estava com os meus amigos. Não, não  eram as mesmas sensações, portanto formulei distintas pastas dentro da minha cabeça.
Pasta Nº1: Best Friend. Pasta Nº2: Amigos. Pasta Nº3: o Espanhol.
Sim, esta maneira de pensar era mais lógica.
- En qué estás pensando?
Parei de olhar para a água e mirei-o.
- Hum... estou apenas a lembrar-me de todas as coreografias para o espectáculo de hoje.
- Muy bien.
- Sabes que horas são?
O Espanhol levou a mão ao bolso dos jeans e olhou para o ecrã do telemóvel.
- Son las diez y cuarenta y cinco minutos.
- O QUÊ? Tão tarde! Oh meu Deus! O espectáulo está quase a começar. Tens de ir embora. – avisei-o ao sair da piscina, apressada. Desapertei o cabelo e escorri-o.
- Dónde voy?
Olhei para ele. Espreitei pelas portas da frente que davam vista para as bancadas... que já estavam cheiras de pessoas e mais umas quantas se lhes juntavam.
- Por ali. – apontei para a porta das traseiras.
- Muy bien. – disse ao virar-se para a porta.
Puxei uma mecha de cabelo ondulado para trás da orelha e brinquei com o lóbulo, enquanto via um corpo dono de 1,80 e tal metros. Parou de repente e virou-se, aproximando-se de mim. Olhei-o, curiosa.
- Gracias.
- Obrigada por quê?
- Gracias por ser quien eres.
Fiz-lhe um olhar confuso.
- Hay pocas personas  en el mundo como tú.
- Como assim?
- Usted me fascinan. Y yo soy un buen juez del carácter.
- A sério? Ainda bem... – disse nervosa. Fez-me tantos elogios que eu já não sabia como reagir. O Espanhol sorriu.
- Então, adeus. – disse, erguendo a mão direita, de modo a que ele pudesse dar-me um aperto de mão. Ele olhou para a minha mão pálida, onde se notavam as finas veias.
Os meus olhos assustaram-se, quando uma mecha de cabelo tapou a minha visão do rosto encantador presente em minha fronte.
O Espanhol levantou a mão direita e afastou o meu cabelo para trás e com a outra mão, agarrou o meu pescoço delgado e aproximou-se ainda mais de mim. Os meus batimentos cardíacos dispararam, quando os seus lábios finos afloraram a pele rosada da minha bochecha.
Sorri-lhe, corando novamente.
- Mariza? Mariza? Estamos atrasados! – enunciava Rafael ainda do outro lado das portas da frente. Esbugalhei os olhos.
- Vai! Vai! – dirigindo o Espanhol até à porta.
- Espera, espera. Manãna verás el juego?
- Sim, vou assistir ao Estádio. Agora, vai.
- Perfecto. Hasta manãna.
- Até amanhã.
A porta das traseiras fechou-se e com elas, o Espanhol partiu.
Respirei fundo ao dar um longo suspiro.
- Desculpa, Mariza. A Micá estava armada em chata.
- Coitadinha. Mas o que se passou? – perguntei ao tentar esconder a minha ironia.
(...)
- Calma, calminha! Deixa-me ver se percebi. Tu conheste o Javi García?!
Dei um golo no meu IceTea de manga.
- Exacto.
Ana Micaela tentava assimilar tudo com a maior calma possível.
- Eu nem acredito que tu estavas na piscina, enquanto o Javi García estava a observar-te e a apreciar a vista.
- LOL, Micá.
- Então, não foi isso que aconteceu?
Engoli a dentada que dei minha sandes mista.
- Sim, mas...
- Tu gostas dele! E ele também pode estar a gostar de ti!
- Mas que disparate, Micá! Olha é melhores comeres a tua sandes, senão já não vai saber bem.
- Como é que consegues? Como é que consegues conhecer o Javi García e só pensares em comida?!
Não consegui conter o riso.
- Tens de marcar um super encontro super romântico com ele.
- O quê?! Nem pensar. Eu não gosto dele dessa forma em que estás a pensar. E além disso, ele tem uma “chica”.
- Ah pois é. A Elena Gomez.
- Conhece-la?
Ana Micaela acenou com a cabeça.
- Não vês o FamaShow?
- Não.
- Bom, esse programa tem uma rubrica chamada Portefólio. É nessa rubrica que as mulheres e namoradas de famosos jogadores de futebol se deixam fotografar. Há algum tempo atrás, foi a vez da Elena Gomez. Ela é uma modelo. Acho que até já pousou para a PlayBoy ou outra revista do género.
- Blac. – disse, enojada – Com que então, ela é uma modelo. Hum...
- Qual é a admiração? – perguntou, curiosa.
- Ele perguntou-me se eu era modelo.
- OH MEU DEUS! A sério?
- Sim.
- E o que respondeste?
- Que não era.
- E ele?
- Quis saber por que razão não era.
Ana Micaela estava prestes a ter um ataque.
- Oh my Goshi. – como ela costumava dizer. – E tu?
- Eu disse-lhe que não tinha jeito para essas coisas.
- E o que aconteceu depois...?
- Ele perguntou-me o que é que eu fazia da vidinha. E eu disse-lhe. E ele armou-se em parvo a perguntar-me se eu mal-tratava os golfinhos.
Micá esbugalhou os olhos.
- Portanto, ele veio cá hoje para me pedir desculpas.
- Eles não vão jogar contra o Sporting amanhã?
- Vão sim.
- Isso significa que ele veio cá de propósito para te pedir desculpas?
- Pois, eu disse-lhe que não era preciso tal incómodo, mas ele disse que não conseguia viver de consciência pesada.
- Oh my Gohsi. Mas que fofo.
Nisso não podia contra-argumentar. Era verdade. Foi mesmo fofo.
- Por que estás a corar, Mariza?
Sobressaltei-me.
- Não estou a corar.
- Estás sim. Nunca te tinha visto corar.
Agarrei numa batata frita do meu prato e atirei-lhe para o prato.
Começamos a rir-nos.
- Vais assistir ao jogo?
- Claro.
- E por quem vais torcer?
Não foi preciso pensar, mas demorei algum tempo a responder.
- Pelos dois.
Micá sorriu.
(...)
Pelo caminho até casa ouvi vezes e vezes repetidas a música Se Quiser de Tânia Mara.
A música ainda pairava na minha mente, quando cheguei a casa, liguei o portátil e procurei Elena Gomez no FamaShow.
Elena era belíssima. Tinha o cabelo preto comprido e liso; olhos muitos escuros; pele bonzeada. Era bastante elegante, com pernas compridos e musculadas, seios volumosos e braços firmes.
Não podia competir com ela. Jamais venceria.
Eu era o total contrante de Elena.
Sou alta, magra, pálida, com bochechas rosadas, lábios carnudos de cor rosa claros, olhos verdes, sobrancelhas finas, nariz fino, cabelo comprido pelo peito, de cor castanha com nuances ruivas claras. E pior, não sou Espanhola...
Deixei escapar algumas lágrimas, enquanto via e revia o video do FamaShow.

Soulmates Never Die ~ 5º capítulo

- Emprestas-me o teu isqueiro? – perguntei ao rapaz todo giraço que fumava perto do local onde me encontrava. Estava no portão da minha escola à espera da minha prima, pois tinhamos combinado uma tarde inteira no Vasco da Gama.
O rapaz olhou para baixo – era mais alto do que eu – e fitou-me.
Tinha uns olhos de uma cor muito bonita, quase pareciam amarelos e a cor do seu cabelo também se assemelhava à dos olhos.
As suas costas eram mesmo largas, parecia um jogador de basquetebol ou assim. Conclusão? Era mesmo muito giro.
- Claro. – levou a mão ao bolso das jeans e trouxe-me o isqueiro.
- Obrigada. – levei o isqueiro ao cigarro que tinha no boca. Afastei o fumo para o outro lado. Devolvi o isqueiro preto. Reparei que o rapaz estava a olhar para mim. Fitei-o de lado.
- O que foi?
- Não te lembras de mim, pois não?
Franzi as sobrancelhas.
- Conhecemo-nos?
- Claro. 7ºe 8º ano. Sou o Ricardo Mendes.
Ricardo Mendes?! Não admira que o achasse giro. Tive apaixonada por ele durante três anos sem nunca lhe dizer. Tentei recompôr-me.
- Oh o Ricardo. Sim-sim já me lembro de ti. Como vai a vidinha, hum?
- Escola, estudar, sair com amigos, jogar futebol, etc. E tu?
- O mesmo.
Continuei a fumar o meu cigarro; ele já tinha acabado o dele.
- Não mudaste muito. – comentei.
- Mas tu mudaste. Estás cada vez mais...
- Mais quê?
- Ora tu sabes.
Mas que raio de conversa. Onde é que ele queria chegar?
- Conheço um sítio muito fixe, queres acompanhar-me até lá?
Finalmente, percebi onde é que ele queria chegar. Depressa apaguei o cigarro e olhei-o bastante séria.
- Oferta tentadora, mas não estou minimamente interessada, Ricardo.
- Porque não? Sempre me disseram que adoravas este tipo de jogos?
- Jogos? Que nojo, Ricardo. Se queres falar comigo sobre esses “jogos” podes nem sequer voltar a olhar para a minha cara, porque como já disse não estou interessada.
- Vá lá, não te vais arrepender. – incentivou, aproximando-se de mim.
O seu salvador de sempre fez-se vibrar, ordenando aos alunos que podiam sair para o almoço. A minha prima apareceu pouco depois.
- Desculpa, piminha. Demorei muito?
- Não, chegaste na altura certa.
- O que quer isso dizer?
- Esquece. Vamos lá, então.
Virámo-nos rumo à camioneta. Dei uma última olhadela para trás e levantei o dedo do meio ao Ricardo. Porco do caraças!

- Gostas desta?
Avaliei bem a camisola preta com uma mega caveira diante dos meus olhos.
- Porque razão é que precisas de ter pelo menos metade do teu guarda-roupa cheio de roupa gótica-barra-emo?
- Porque é muito fixe. Porque eu gosto. Porque me faz sentir bem? Capiche?
- Capichado!
Encaminhei-me para a secção de túnicas da Zara. Agarrei num cabide onde estava uma túnica branca com rendinhas super gira.
- E que tal esta?
Dalila virou-se para mim. Fez uma careta.
- Para a minha mãe é boa ideia.
- Hum não estava a pensar dá-la à tua mãe. – ri-me. – Era mais para mim.
- Ah, pois, eu sabia. – remexeu no cabelo liso e comprido. – Nunca hei-de compreender o teu estilo para uma adolescente de 19 anos.
- Também tu?! – exclamei frustrada.
- Também eu o quê?
- Também me achas mais velha do que sou na realidade.
- Não te estou a chamar velha, de maneira alguma. Só estava apenas a comentar que és muito mais mulher e responsável e crescida do que muitas raparigas de 20 e tal anos.
- Hum...
- Hey, não fiques amuadinha. Até é um elogio!
- Achas?! – interroguei, desconfiada.
- Claro!
Continuamos a ver roupas para nós.
- Mas porquê tanto alarido?
Revirei os olhos.
- Ontem conheci uma pessoa que me disse a mesma coisa e eu não gostei lá muito.
- Que pessoa?
- Um rapaz.
- Giro?
- Muito.
- COMO PODESTE ESCONDER-ME TAL NOVIDADE?
- SHIU! – disse para Dalila se acalmar.
- Mariza Ventura conta-me tudo!
- Não há nada para contar, a não ser a extra rudez dele!
- Rudez? Então?
- É melhor contar-te tudo desde o início.
- Concordo.
Fomos pagar as nossas roupas e depois fomos sentar-nos numa esplanada perto do McDonalds.
- Vim ao Parque Das Nações com o André depois do jogo. Enquanto ele pedia o meu café eu estava lá fora na esplanada. De repente, o André vira-se para mim ou melhor, não para mim, mas para uma pessoa atrás de mim e deiz-lhe adeus. Eu virei-me para trás e vi o tipo.
- O tipo? Hum, gosto da maneira como disses isso. – rindo-se.
- Não tem graça nenhuma! De um momento para o outro, já estava sentado connosco e falamos de tatuagens...
- Ele tem uma tatuagem? – interrompeu.
- Sim, tem. Mas desconfio que tem mais.
- Uhhh – arqueando as sobrancelhas.
- Shiu! Como estava a dizer, falamos de tatuagens e do meu emprego.
- Sim...? – perguntou ao ver que eu fiquei muito quieta e com certeza pálida.
- Ele... ele perguntou-me se eu batia aos golfinhos.
- O QUÊ?!
- Foi isso mesmo.
- Não acredito! Ele nem sequer te conhece, como pode pensar em ti como uma má tratadora?!
- Não faço ideia. – disse, olhando para baixo.
- Compreendo que estejas magoada. Ele não te conhece, mas eu sei que te deves sentir super magoada e triste por dentro; tu amas os teus golfinhos, nunca na vida farias uma coisa dessas.
- É claro que não!
- Tens de esquecer esse infeliz encontro. É normal haverem pessoas assim. Vivemos num Mundo a abarrotar com esse tipo de pessoas. Mas, temos de erguer a cabeça e continuar a viver sem nos deixarmos abater.
Olhei para ela mais sorridente.
- Tens razão, querida prima. Como sempre.
Dalila sorriu para mim também.
O meu telemóvel no bolso das calças começou a vibrar ao som de Man Down de Rihanna. Olhei para o ecrã.
- Quem é?
- Não sei, mas vou atender. Estou?
- Hello, how are you, darling?
Não acredito nisto!
- Juliet. – disse o nome da minha madraste como se tivesse a dizer o nome de uma doença muito grave. – Estou bem, obrigada. Onde está o meu pai?
- Sorry, honey. If you speak portuguese I can’t understand you.
- Juliet, tu entendes-me muito bem. Onde está o meu pai?
- Hey, wait. Don’t talk to me like that.
- Sim-sim. O meu pai?
- He is coming. Bye. X.O.
- Adeus!
- Mariza?
- PAI! Como estás? Estou cheia de saudades tuas. Quando voltas a Portugal?
- Estou bem, obrigado. Também tenho saudades tuas. Como tens passado?
- Bem. Está tudo bem.
- Como estão os tios?
- Como sempre.
Dalila fez-me sinal para que desse um beijinho ao meu pai por ela.
- A Dalila manda-te um beijinho.
- Ah a Dalila. Um beijo também para ela. Como é que ela está?
- Óptima.
- Ainda bem. HEY, PARABÉNS! Desejo-te um feliz dia, querida!
Senti o meu pulso tremer ligeiramente. Senti os meus olhos marejados de lágrimas.
- Hum... pai... eu já fiz anos.
- Não te estou a ouvir bem. Há muitas interferências.
- Eu fiz anos ontem!
BIP-BIP-BIP-BIP. Era a imitação do sinal de interrompido.
Ainda tinha o telemóvel ao ouvido, por isso ouvi tudo.
- Não me disseste que ela fazia hoje anos?!
- Oh did I make a mistake? Too bad. My fault, sorry.
- Não te desculpes, sabes que nunca me conseguiria chatear contigo.
- I know, baby. I know.
Desliguei o telemóvel, sem conseguir ouvir mais uma palavra.
Chorei encostada ao ombro da minha prima.
- Bom dia, Dalila. Outra vez por aqui? – disse o gorduxo.
- Sim, mas é outra vez que não venho para mim, mas sim pela minha prima.
Estávamos na loja das tatuagens/piercings preferida da Dalila.
- Outro piercing? – perguntou ao olhar para mim.
- Não. Uma tatuagem.
- Entrem, por favor. – disse o gorduxo mais simpático.
- O que queres?
- Quero a frase “Coraggio per la lotta” no fundo das minhas costas.
- Está bem.
Tirei a camisola e estendi-me na maca.
Comecei a ouvir a agulha a trabalhar. Olhei para a minha prima, sentada a olhar também para mim. Piscou-me o olho e eu sorri-lhe. Embora, por pouco tempo, pois a agulha tinha começado a perfurar a pele. Inspira. Expira. Isso mesmo.
(...)
- UAU! Adoro-a! – exclamei ao virar-me para o espelho da loja.
- Por acaso fica mesmo bem nessa tua cinturinha delgada. – disse o gorduxo. Olhei, enojada.
- Obrigada, acho eu.
Dalila riu-se.
Saímos da loja e cada uma foi para a sua casa.
A semana passou rápido. Escola, trabalhos, saídas com os amigos...
Não me saia da cabeça aquele encontro com o Espanhol.
Achava que me sentia atraída por ele, mas quando ele me veio com aquelas conversas de juízos de valor sem sequer me conhecer, explodi!
Agora, sentia um grande desejo de o voltar a ver e conversar com ele com mais calma e assim.
Mas como poderia voltar a vê-lo? Não podia... e tinha demasiada vergonha para pedir o favor ao André.
Quase que imaginava a sua cara ao implorar-lhe:
- Oh por favor. Quero ter um encontro com o Espanhol!
- Mas tu odiaste-o.
- Pois é, mas vá lá...
Báh! Que imagem repugnante!
Não, não tinha coragem de lhe pedir uma coisa do género.
Se o destino quisesse que nos encontrássemos outra vez, isso iria acontecer dentro em breve.
O pior, é que não tenho sorte nenhuma e o Destino pode não estar do meu lado nem hoje nem nunca. Enfim...

Soulmates Never Die ~ 4º capítulo

- André, porque raio tenho uma venda nos olhos?
O meu melhor amigo tinha-me ido buscar a casa e eu sabia que estava algures no Parques das Nações ou arredores, mas claro, não o podia confirmar, pois os meus olhos estavam tapados por uma éspecie de venda. O que se estava a passar?!
- Néné, isto não tem piada nenhuma! O que se passa aqui? Destapa-me os olhos. JÁ!
- Calma, minha doida. Em breve saberás o que se passa.
- Diz-me! André Filipe Bernardes Santos ainda me dá um ataque cardíaco!
Ouvi a porta do lado dele fechar-se. Fiquei como que em pânico, mas mantive-me bem quietinha. A porta do meu lado abriu-se; André pegou na minha mão e incentivou-me a sair do carro. Amparou os meus ombros e caminhámos lado a lado.
- Néné, o que é que...
- Shiu! – silenciou-me. – A minha prenda não tem embrulho. Não se pode usar todos os dias, mas hoje vamos divertirmo-nos dentro dela.
- Dentro dela?! Não tem embrulho? André, o que raio fizeste? Até estou com medo!
Ele riu-se:
- Não tenhas medo, dramática. A minha prenda também não pode ser aberta e fechada por nós, no entanto, podemos empurrar a porta...
- A porta? – inquiri, confusa.
Nesse preciso momento, os meus olhos foram desvendados e abri-os lentamente.
Comecei a ouvir Buffalo Soldier do meu cantor favorito. Vi o Rocket Bar cheio com todas as pessoas que amava; estavam lá todos os meus amigos, inclusivé Ana Micaela e Rafael e mais alguns dos meus colegas do Zoo. Começaram a cantar-me os Parabéns.
Virei-me para o meu melhor amigo e saltei para cima dele. Ele agarrou-me antes de cair com o rabiosque no chão e abraçou-me.
- OBRIGADA! OBRIGADA! OBRIGADA! ÉS O MELHOR AMIGO DO MUNDO! Sabes disso, não sabes? – perguntava eu ao agarrar-lhe na cara e enchê-lo de beijinhos.
- Claro que sei! Ainda está para ser inventado aquilo que eu não faço por ti.
- Hum será? – perguntei com um ar maroto. Levantei a mão com pericia. Não consegui resistir... despenteei-lhe o cabelo liso ultra sedoso.
- HEY, O QUE É QUE FIZESTE?!
Ri-me e desenvencilhei-me dos seus braços, aterrei bem no chão e corri para a pista de dançar, onde bombava Born This Way de Lady GaGa.
Dançámos muito, conversámos, bebemos, petiscámos, fizemos inclusivé um Concurso de shots. Eu e Pedro fomos os grandes vencedores. André – o adulto responsável – não bebeu uma única gota de álcool, pois tinha de nos levar a casa, mas como eu suportava bem o álcool, decidimos que eu iria conduzir o carro dele, enquanto este ía a Sacavém na carrinha hippie do irmão mais velho de Rodrigo para deixar à porta de casa os meus respectivos amigos sãos e salvos.
Quando André deixou Rodrigo, Pedro e a minha prima em casa, passou ele a conduzir o seu BMW. Chegámos à Quinta da Piedade, despedi-me dele e agradeci-lhe a grande noite que me proporcionou.
- Adoro-te. – afirmei.
- Eu também. – declarou.
Sorri-lhe e fechei a porta.
- MARIZA? – gritaram as irmãs Correia um pouco fora do controlo. Subi rápido a escadaria e cheguei ao portão.
- Calem-se, senão ainda chamam a Polícia.
- Ora, são sempre bem-vindos, certo Mariza? – inquiriu Diana de modo preverso.
- AHAHAH! – ri-me sem aguentar.
- Ai Jesus! Eu ainda me lembro daquele Alex! – exclamou Rita C. com cara de estar a relembrar histórias do passado.
- Hum qual deles? A bomba que estudava num Colégio Militar ou do surfista loiraço? – quis saber Diana.
- Do militar! Não estavamos a falar de Polícias com rabos lindos?! – disse Rita C.
- Tens razão! – exclamou Diana ao rir-se.
- Com qual deles andaste? – interrogou Patrícia ao virar-se para mim.
Fiz uma careta: - Com os dois.
As irmãs riram-se.
- E de qual gostaste mais? – interpelou Rita C.
- Será crime responder: dos dois?
- NENHUM! – responderam as irmãs em uníssono.
Rimo-nos com as expressões faciais delas.
- Vá meninas! Já chega de falar em tolices, como é o grande exemplo da minha vidinha amorosa. Vamos para casa. Já são 1 da manhã e eu amanhã tenho de me levantar cedo, porque vou trabalhar.
Já ía abrir a porta da minha casa, quando de repente, lembrei-me:
- Amanhã há jogo em Alvalade às 17h30.
- Nós não nos esquecemos! Vamos no carro dos meus pais. – declarou Patrícia.
- Ópimo. Então, até amanhã.
- ATÉ AMANHÃ, MARISCA!
Entrei em casa sem fazer muito barulho.
Fui para a casa de banho. Lavei a cara; tirei os meus 6 brincos, dois pares dados pelas irmãs Correia que decoravam as minhas orelhas; tirei o colar comprido com um pendente que dizia “M” com várias cores, oferecido pela Patrícia; lavei os dentes e vesti o pijama.
Levantei-me cedo e apanhei o comboio para o trabalho.
Os espectáculos correram bem como sempre.
Às 16h55 já estava em casa. Tinha pouquíssimo tempo para me arranjar, pois o jogo começava cedo.
Vesti umas jeans lavadas; escolhi uma camisola de gola alta castanha e uma túnica creme com um tigre- branco postado; Tirei o meu casaco de cabedal castanho do roupeiro e vesti-o; calcei as minhas All Stars vermelhas; dei um arranjo rápido ao meu cabelo; pûs creme na cara e perfume CoCo Chanel; ao pescoço reluzia o meu novo colar com a primeira letra do meu nome.
Saí de casa e no portão já estavam à minha espera Patrícia e as irmãs Correia. Entrámos no Mini dos pais Damas, conduzido pela sua filha.
Fomos buscar a minha prima, o Pedro e o Rodrigo ao café Eu&Ela.
Eu, Rita C. e Dalila fomos no carro da Patrícia, enquanto Diana foi na moto de Rodrigo, acompanhaos por Pedro.
Chegámos a Alvalade às 17h40.
Ainda estavam 0-0.
Cardozo e Salvio atacavam bastante, mas o ídolo de Patrícia: Rui Patrício estava a fazer grandes defesas. No meio-campo, a bola tinha uma certa dificuldade a avançar rumo à baliza e a muito se deveu à barreira feita pelo meu melhor amigo, se bem que Airton arranjava problemas na sua defesa.
Aos 35 minutos de jogo, Fábio Coentrão avançou pelo lado esquerdo.
A bola passa para Gaitan que por sua vez, passa para Cardozo, que ajeitava a bola para o pé esquerdo e remata à baliza, deixando Rui Patrício sem defesas. O Estádio cheio fica ao rubro. Os Sportinguistas protestavam e os Benfiquistas (como eu) assobiavam e pulavam.
Vi André Santos a abanar a cabeça, descontente. Mordi o lábio.
Era sempre difícil, quando o meu club ganhava e jogava contra o meu amigo. Puxei do meu maço de cigarros e do isqueiro.
Intervalo!
Aos 50 minutos, Hélder Postiga marca na baliza de Roberto.
Aos 67 minutos, Fábio Coentrão marca na baliza de Rui Patrício.
O Benfica já se dáva por vencedor, quando de repente, a bola cai nos pés de André e ele faz um grande e forte remate mesmo ao quantinho da baliza de Roberto que se lançou para o lado direito, tentando apanhar a bola... em vão.
O jogo acabou com um empate.
O pessoal começava a sair do Estádio e eu desci as Bancadas e dirigi-me à porta dos Balneários.
Cumprimentei alguns dos jogadores (muitos não gostava deles, mas isso não era razão para se ser mal-educada). Finalmente, André saiu.
Abracei-o. Embora ele não tivesse gostado do Sporting não ter ganho, foi ele quem levou ao empate e por isso, estava mais feliz.
- Foi um bom jogo. Jogaste muito bem.
- Obrigado. Queres ir ao Parque das Nações?
- Convite aceite. – sorrindo-lhe.
Estavamos numa esplanada do Parque ds Nações.
Estava sentada e conseguia ver os vulcões de água que faziam a delícia de muitos turistas e crianças.
André foi buscar-me um café e eu aguardei.
No interior do café quase vazio, estava ligado um plasma.
Virei a minha atenção para a SIC Notícias, onde algums comentadores reviam os melhores momentos do jogo que à pouco tive oportunidade de presenciar. Vi através da vitrina um rosto familiar.
- Benfica hizo un gran partido, aunque hemos sido un empate. Creo que el próximo juego de la Luz, las cosas serán diferentes.
- Já recuperou totalmente da pequena lessão, portanto de hoje a uma semana vai jogar contra o Sporting? – perguntou o jornalista ao jogador.
- Espero que sí.
- Muito obrigado. Foram as declarações de Javi García.
Ah já me lembrava de onde conhecia aquela cara! Era o tal Espanhol que tinha visto à dias, cujo o sotaque me fazia derreter.
- Hum... Javi García... – murmurei.
André virou-se para mim, mas reparei que o seu olhar estava fixo num ponto por detrás de mim. Acenou. Eu – curiosa – virei-me para trás e reparei numa figura muito perto de mim.
Era alto, magro, mas musculado. Trajava umas calças de ganga rotas e uma camisola branca. Ao peito encontrava-se um colar com duas chapinhas de metal. Os seus olhos estavam tapados por óculos de Sol Ray Ban aviador.
Tinha barba no bigode e no queixo. O cabelo estava ligeiramente rapado nos lados e em cima, uma grande crista domada por gel.
Ele tirou os óculos, lentamente, mostrando os seus ternos olhos cor de avelã.
Fiquei meia zonza, mesmo estando sentada mas quando ele entreabriu aqueles lábios rosados e sensuais, tive quase a certeza que os meus níveis de açúcar no sangue tinham esgotado por completo.
- Quieres un autógrafo?
- Um... autógrafo? – inquiri estupefacta. Quem é que ele pensa que é?!
Um jogador de futebol muito giro, okay, mas isso não lhe dava o direito de ser um gabarolas.
Ficámos a olhar um para o outro. Ele com o olhar de “estou a seduzir-te” e eu com o meu melhor olhar de “a tua sedução não está a resultar”.
Talvez estivesse... Que raiva! Quem é que ele pensa que eu sou?!
Uma fã louca à solta que iria entrar em histeria daqui a alguns segundos?!
Por favor...
- Javi? Tudo bem? – perguntou André alegre, com o meu café na mão.
- Estoy muy bién. Y tú?
- Também.
André reparou em mim ali sentadinha com um ar acanhado.
- Apresento-te a minha melhor amiga: Mariza Ventura.
Lancei-lhe um olhar bastante acusador. Ela não tinha nada que dizer o meu nome! Prometi vingar-me dele mais tarde.
- Javi García. Es un placer conocerte. – disse ele, erguendo a mão à espera que lha apertasse.
Olhei para a mão dele. As suas veias eram bastante evidentes. Reparei que no pulso direito tinha tatuada uma tatuagem tribal.
O Espanhol ainda tinha a mão estendida, quando disse a André:
- Obrigada por me trazeres o café.
André tossiu propositadamente.
- Hum de nada.
O Espanhol baixou a mão (devia de ter ficado com uma dor múscular).
- Senta-te aqui connosco! – exclamou André. O meu dia não podia piorar. – Eu vou buscar uma cerveja para mim, também queres?
O Espanhol acenou afirmativamente. André voltou ao café. Sentou-se e olhou para mim sem vergonha. Tentei ignorar os seus olhos tão bonitos, por isso comecei a beber o café quentinho.
- Cuál es tu club?
- Não se vê logo?
- Es un amigo del jugador de Sporting, por lo que la probabilidad es más alta que los seres del club. Pero que, tú tienes reconociemento de mí, sólo quiero acreitar usted tiene buen gusto.
- Queres acreditar que tenho bom gosto? Como assim? – perguntei, confusa.
PRIMEIRO: Achava que gostava dele?
SEGUNDO: Se gostasse dele, isso fazia de mim uma pessoa com bom gosto? Mas que lata!
O Espanhol também estava confuso. Só depois pensei que talvez ele se referisse ao bom gosto na escolha do clube.
- Sou Benfiquista!
- Sim, Mariza já sabemos do teu péssimo gosto na escolha dos clubes. – riu-se André ao trazer duas cervejas para a mesa.
- No estoy de acuerdo. – afirmou com um sorriso.
André encolhei os ombros. Deu a cerveja ao Espanhol e este levou-a à boca.
- Porque não jogaste hoje? Estava à espera de te ver ao meu lado.
O Espanhol riu-de.
- Sí, me lesioné, pero la próxima vez, voy a jugar.
- Jogas em que posição? – perguntei eu, sem olhar para ele.
- Yo soy un medio-defensivo, como André.
Voltei a olhar para a sua tatuagem no pulso. Estava a fascinar-me.
- Te gusta mi tatuaje?
Bolas! Fui apanhada.
- Sim, gosto de tatuagens em geral.
- Tienes alguna?
- Tenho.
- Dónde?
- Precisavas de ser muito minucioso para a encontrares.
Fez-se silêncio.
Não aguentei e comeceia rir-me.
- Estou a brincar.
Pus o cabelo para trás da orelha direita e virei ligeiramente a cabeça.
Como ele pôde confirmar, era uma tatuagem muito pequena, inofenciva e um pouco tola. Mas eu gostava dela; era a minha estrelinha da sorte.
- Gúapa.
- Obrigada.
- Qué significa?
- Significa a minha estrela da sorte. E a tua?
- Esto significa la Fuerza e el Valor. Es un tatuaje tribal.
- Eu sei. Tem um belo significado.
- De acuerdo.
O Espanhol e o André continuaram a beber as suas respectivas cervejas.
- Es un modelo?
Quase me engasguei com a minha própria saliva.
- Modelo? Eu? Nem por sombras.
- Por qué no?
- Porque não tenho jeito para essas coisas.
- Qué haces en la vida?
- Trabalho aos fins-de-semana no Jardim Zoológico de Lisboa. E acabo o 12º ano.
O Espanhol parecia surpreendido.
- Cuántos años tienes?
- Fiz ontem 19.
- Felicitaciones.
- Obrigada.
- De nada. Pareces mayores.
- Estás a chamar-me velha? – perguntei, quando a conversa já estava a azedar.
- De ninguna manera. – disse, mas pouco convincente para mim.
- Obrigada. – respondi amuada.
- De nada. – disse o Espanhol irritante.
André tossiu propositadamente, remexendo-se na cadeira.
- Bom, como a Mariza disse à pouco, ela trabalha aos fins-de-semana no Zoológico. É tratadora de golfinhos.
Sorri-lhe, quando ele disse a palavra “golfinhos”.
- Qué haces con ellos?
- Várias coisas. Alimento-os, faço os espectáculos com eles, ensino-lhes as coreografias e outras coisas e agora estou a aprender mais sobre o ramo da Biologia, ou seja, tratá-los com a ajuda da Medicina.
- Hum...  en los programas...  qué pasa si los delfines no quieren aprender?
- Perdão? – inquiriu, confusa com a pergunta.
- Sí, qué pasa si los delfines no quieren aprender? Bates de los delfines? Bates?
Fiquei a olhar incrédula para ele.
- Não, é claro que não! – exclamei, quando a minha paciência quase rebentou.
- Bates con un látigo?
- Um quê?
André aproximou-se do meu ouvido.
- Se lhes bates com um chicote. – informou-me.
- NÃO! NUNCA NA VIDA FARIA UMA COISA DESSAS!
- En serio?
- Eu adoro-os! Como podes dizer uma coisa dessas? Não me conheces de lado nenhum! Não tens o direito de falar assim comigo!
O Espanhol mirou-me minuciosamente.
- Perdóname.
Olhei para baixo, lutando com as minhas próprias lágrimas.
Ajeitei o cabelo para trás – o meu tic nervoso.
- Me tengo que ir. Es bueno volver a verte, André. Un placer, Mariza.
- Não posso dizer o mesmo. – respondi-lhe sem o fitar.
- Hey, onde vais? – interrogou André.
- Yo voy a encontrar con mi chica.
- Ah, está bem. Dá-lhe os meus cumprimentos.
- Gracias.
Levantou-se e caminhou rua fora.
- Bom, mas que... conversa.
- Nem uma palavra sobre isto! – avisei. – Mas que lata! Quem é que ele pensa que é?!
- Ele é muito fixe, mas acho que vocês os dois não se toparam.
- Nem por sombras.
- Esquece isso. – aconselhou, fazendo-me uma festinha no bochecha rosada.
- Já se está a fazer tarde. Levas-me a casa?
- Claro.
- Obrigada.